A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Que segredos são esses? - Hitis Lazarin



Resultado de imagem para lua fantática para crianças

Que segredos são esses?
Hitis Lazarin

A lua, o brilho que encanta até crianças...

E com a gente não foi diferente.

Ainda molecas, mas bem curiosas, assim que o sol ia embora, deitávamos na grama verdinha do quintal lá em casa.  Ansiosas esperávamos a lua chegar.

E lá vinha ela cheia, cheia de graça, cheia de surpresas.  E cada vez que vinha era como se fosse a primeira vez.  Contemplar e ver seus reflexos lustrando os telhados vizinhos, velhos e encardidos, era pura magia.

Ali deitadas, brincávamos de descobrir o que ela escondia dentro de si.  E a cada dia, nossa cabecinha criativa via coisas diferentes.  Eram montanhas, pássaros voando, ETs, cavalo galopando, às vezes com cavaleiros, outras vezes não.  Ouvimos dizer que era São Jorge armado de lança indo para a guerra.  Mas, santo vai à guerra?  Não ousávamos discordar.

Nossa tristeza era saber que, em poucos dias, ela ia diminuindo...diminuindo...até desaparecer por inteiro.  Onde será que a lua se escondia?  Asas à nossa imaginação.

Ah!  E ela tinha fases, fases como os adultos têm, de alegria e de tristeza.  E, na tristeza, preferia se esconder.  Acho que ela não queria chorar na nossa frente.  Respeitava a ingenuidade infantil.

Nós crescemos um pouco e a compreensão do mundo cresceu junto, não tanto quanto deveria ser.

E, então, veio a triste notícia: a lua cheia é sorrateira.  Aproveita-se da luz do sol e brilha como se o brilho fosse só seu. E que aquele luar perolado é a luz do sol que está sonhando.  Não gostei disso não.  Lua malandrinha.  Assemelha-se à minha amiga Joana que copia do meu caderno as lições de matemática.  Eu finjo que não sei.  Não gosto de brigar.

E mais outra novidade:  a lua cheia é tão cheia de mistérios que encanta e inspira poetas, músicos, pintores...

Dizem até que o lobo se apaixonou por ela.  E todo mês, cheio de saudade, sobe ao ponto mais alto da montanha e uiva solitário por um amor que nunca irá tocar.  E nas noites em que ela desaparece, o lobo silencia e ela uiva para ele não chorar.  Esse lobo é muito ingênuo.  Com tantas lobas desamparadas a vagar por essas matas de Deus... 

Leiam mais esta novidade: Até os rios são enfeitiçados por ela.  Deslizam chorando por não poder carregar a imagem dela projetada em suas águas.  Eu jamais acreditaria nessas historinhas.

Chegou a vez dos amantes, amores proibidos.  Aqueles que se encontram às escondidas.  Fazem juras de amor, quase nunca verdadeiras, impossíveis de realizar.  Quando pensam que estão sós e que não há testemunhas, lá fora, bem no alto do céu, está ela, a lua cheia a bisbilhotar, pela fresta quase imperceptível do remendo do telhado.

Afinal, que mistério, que segredos são esses que a lua cheia tem?  Ela aparece quando quer, brinca, bisbilhota, mexe com os sentimentos da gente, enfeitiça e desaparece?


A FLORESTA ENCANTADA - Michel Milhão



Resultado de imagem para floresta encantada

A FLORESTA ENCANTADA
Michel Milhão

   Havia uma trilha pela floresta com uma cerca viva, alta de um lado, e eles seguiram por ali. Bem acima as estrelas brilhavam e piscavam, a lua cheia emitia luz amarelo-dourado da cor do milho maduro, era capaz de enxergar arbustos espinhentos de rosas no meio da cerca.
  Jonathan e Mafalda avançavam com um só destino, sem medo no meio daquela floresta encantada, apesar dos uivos terríveis que alardeavam toda região.
  Com a espada em riste enfrentavam tudo, sempre atentos. De repente surgiu um desengonçado urso com cabeça de Javali, acompanhado de vários lobos ferozes, rosnando e avançando para o casal. Ele gritou:
— Não tenha medo, Mafalda! Não corra, fique ao meu lado.
— Mas são muitos! Cuidado, Jonathan! Olhe, uma enorme cobra atrás de você!!!
  Como um raio, ele virou-se decepando a víbora, ao mesmo tempo em que um lobo pulou em sua direção, mas teve o mesmo destino da cobra.
  O enorme urso avançava, o casal ia se afastando apreensivo, apavorado. A luta era desigual, o rapaz já bastante ferido, foi quando o urso, com urros ensurdecedores arrancou-lhe a espada. A garota gritava:
— Agora é o fim!!!
  Já embaixo do urso, os lobos entraram a luta, mordendo-o, foi quando ele se lembrou, e gritou:
— Você é a princesa Mafalda, não deve morrer. O bracelete! O bracelete!
  Ela imediatamente tocou no bracelete em forma de cobra que mordia o próprio rabo, tinha ganhado como presente de uma grande feiticeira pelos serviços prestados.
  Como por encanto, os animais viraram.
— Agora sairemos da floresta, vamos encontrar pessoas, se perguntarem de onde viemos, diremos: Lá de trás.
— E para onde vão?
— Para frente!
  Contando com a sorte, ainda muito fracos, avançaram agarrados, se protegendo de tudo e de todos.
  A floresta cinza embaralhou a luz, as cores e a distância resplandecia e sumia como se fosse ilusão de ótica.
  Sem condições de seguir, deitaram-se e adormeceram.
  Ao raiar do sol, já refeitos, estava na hora da procura das terras esquecidas, lugar como era conhecido, onde o príncipe Jonathan estava sendo aguardado pelo seu povo.
  Dias depois, vieram vários cavaleiros e os levaram ao palácio.
  Alguns anos depois como eram esperados, o reino das terras esquecidas já não era mais um lugar esquecido, prosperaram agora todos felizes, foi quando ouviram um choro de criança, era o filho tão esperado, o herdeiro do trono.
                                                                                                                        
                                                                                                       


Que nem vela - Ana Catarina Sant’Anna Maués



Resultado de imagem para vela apagando
Que nem vela
Ana Catarina Sant’Anna Maués

   Ela era jovem ainda, mas de uma espiritualidade notável. Certo dia conversava com as amigas sobre futuro e o assunto foi indo e indo até a idade de noventa anos.
   Uma disse:
— Quando chegar nessa idade farei um testamento. Nele pedirei para ser enterrada com todas as minhas pérolas, pois terei inúmeros colares, brincos e braceletes. Amo pérolas!
   A outra tomando a palavra falou:
— Já eu distribuirei tudo o que acumularei. Rica, vou deixar meus sete filhos muito bem de vida.
   Nessa hora olharam Laurita e indagaram:
— E você?
   Ela, com olhar reflexivo, respondeu:
— Não é que eu tenha certezas e o que observo aconteça cem por cento, mas noto que a maioria das pessoas que passam a vida cultivando nobres sentimentos, dedicadas a viverem colocando-se em último plano, fazendo do exercício do perdão uma prática recorrente sempre desejando a conciliação, quando envelhecem não colhem para si, os frutos que pensavam ter plantado entre familiares, parentes e amigos. Nestes casos, a impressão que tenho, é que cada um, que conviveu com essa pessoa, viveu seguindo uma verdade individual, pouco valendo o exemplo e o esforço daquela que cedeu sempre em prol da paz.
   As duas amigas que escutavam o monólogo entreolharam-se e dialogaram entre si:
— O que?
   Do que ela está falando?
   Laurita continua:
— Meninas! Queria muito quando chegasse a noventa anos ter compreendido o sentido da vida. Mais do que a minha própria, entender o que ocorre com os relacionamentos humanos. Parece que se é um por dentro, cheio de boas intenções, mas não se consegue externar isso de forma clara, que transpareça o eu real, daí gera má interpretação com aqueles que se lida no dia a dia.
—Aff! Laurita, você é complicada.
— Não sou não! Explico novamente. As reais intenções de alguém não são captadas pelas pessoas do convívio, na forma que foram concebidas no interior, gerando erro de interpretação, por isso sofrimento na convivência fazendo o vínculo entre elas se destruir. Observo que as relações estão redondinhas, tudo corre perfeito, aí de repente algo acontece e tudo desanda tomando rumo imprevisível. Somos senhores de decisão e cada decisão alcança o outro e os demais numa reação em cadeia, empurrando ambos, anos luz do que estavam vivendo até aquele momento. Nesse sentido a vida é uma aventura onde o planejamento nem sempre dá certo. Gostaria com noventa anos ter encontrado o fio da meada desse assunto e poder ensinar todos que se aproximarem de mim. Alcançando este, esse, aquele que por sua vez entrará em contato com outro e outro e mais outro, para que evitem erros de relacionamento. Ser como vela, consumindo-me em luz.

A caixa de sentimentos do Dr. Olegário - Michel Milhão



Resultado de imagem para homem bêbado


A caixa de sentimentos do Dr. Olegário
Michel Milhão

  Sonhos desfeitos, amores maus correspondidos, trabalho mal resolvido, os familiares que o apoiavam foram se dispersando, cada um procurou seu rumo, e desapareceram.
  O Doutor Olegário, muito prepotente, no momento está só e sóbrio, pela primeira vez, pois nos fins de semana bebia sem parar, nem se alimentava. Cada vez mais a situação piorava, até parou de exercer medicina, profissão de grande admiração pelos colegas.
  No dia do seu aniversário ninguém apareceu, sem forças para levantar-se, ficou meditando, e pela primeira vez tomou uma atitude e disse para si mesmo:
— Tudo que perdi vou recuperar, montarei um escritório diferente, o “Recanto dos Sentimentos e Progresso”, me aprofundarei nessa área.
  Após muitas pesquisas, fez uma caixa pequena com a seguinte descrição: “Caixa de Sentimentos”, dentro tinha vários cartões, neles um dizer e o que a pessoa deveria fazer e colocar em prática.
  No início deu tudo certo, tão certo que resolveu cobrar mais caro a visita, e mesmo assim prosperou bastante.
  Conseguiu resolver problemas de muita gente, só a dele que não, mesmo com sua sabedoria, a ganância falava mais alto, só ostentava riqueza com carros de luxo, viagens em transatlânticos, festas badaladas, e tudo que desejava era realizado com muito requinte.
  Em uma dessas viagens conheceu uma mulher e foi logo se encantando pela sua beleza.
  A Laura era alta, lábios rosados, corpo esguio, pele macia levemente bronzeada, com longos cabelos, onde passava chamava a atenção pelo jeito audacioso de andar e pelo perfume que exalava.
  Os desejos foram mútuos, a aproximação se evidenciou. O homem começou a mudar de ideias e atitudes junto com ela.
  Laurinha, como ele a chamava carinhosamente, olhou-o com ternura e disse:
— Meu amor, o sorriso é de graça, procure sorrir mais. O abraço é de graça, abrace mais. Bom conselho é de graça. Amigos são de graça, consiga-os e valorize conservando-os. Ame tudo que tem, faça o bem e viverá feliz e rodeado dos seus entes queridos e poderá desfrutar das delícias da vida e ser muito feliz.
  O Doutor Olegário abriu um sorriso incandescente, abraçou-a e com entusiasmo disse:
— Ao seu lado eu só quero é viver!!! 



RUINDADE PROFUNDA - HENRIQUE SCHNAIDER



Resultado de imagem para homem  bate na mulher


RUINDADE PROFUNDA

A casa era humilde, o mínimo de mobília. Ali morava Rui, a mulher Luiza e o filho João.

Ambos, sofriam demais na mão cruel daquele homem, que os fazia passar fome, como um cão perdido nas ruas. Tratava-os como um carcereiro trata o preso mais desprezível. Não precisava de muito pretexto, lá iam mãe e filho, sofrendo o pão que o diabo amassou.

Mãe, filho, já não aguentavam mais, começaram a tramar uma vingança para se livrar de uma vez por todas de Rui, o carrasco.

Esperaram uma tarde, após o almoço quando Rui fazia a sesta no porão da casa. Rui já roncava feito um suíno, mãe e filho chegaram pé ante pé, trancaram-no no porão fétido, sem água, sem luz.

Quando acordou Rui percebeu a porta trancada. Depois de constatar que estava preso, começou a gritar chamando-os exigindo que abrissem a porta, prometendo castigá-los como nunca havia feito.

Ambos, Luiza e João, disseram-lhe que só abririam a porta se ele prometesse mudar de atitude, tratasse a família de maneira civilizada.
O canalha aproveitou-se da pureza deles, e garantiu-lhes uma vida de paz e tranquilidade. Acreditando nas promessas vãs, abriram a porta.

Tão logo Rui viu-se livre, iniciou um verdadeiro festival de maldades, castigos físicos da pior espécie. Assim a vida continuou, sem que mãe e filho, tivessem qualquer esperança de que algum dia sua vida pudesse melhorar, sair daquele inferno na terra. O biltre continuou reinando, sem o menor ressentimento, cada vez mais, parecendo gostar das ruindades que praticava.


O PERDÃO MUDA O CORAÇÃO ENPEDERNIDO

Os dias passavam, os meses, depois anos, O casal foi sentindo o peso do tempo, enquanto isso, João se tornou um jovem muito inteligente, alto, robusto, forte pelo intenso trabalho que o pai sempre lhe impôs.
Apesar da idade, João ainda obedecia seu pai, porque assim se acostumou, sempre recebendo ordens de forma estupida, as cumpria à risca sem questionar.

O jovem já começava a se interessar pela bela jovem Yara, cabelos louros de um dourado, do ouro mais puro. João encheu seu coração dos mais belos sentimentos de alegria. Logo de cara perceberam que tinham muitas coisas em comum.

Namoro iniciado, a vida do pobre rapaz, continuava, insuportável em casa, só docemente aliviado agora pelo amor, que começou a brotar de seu jovem coração.

Cada vez que se encontravam, o sentimento de ambos se tornava mais forte, tudo virava festa para eles, riam à toa, aliviando João, como um balsamo, aliviando seu sofrimento com o pai.

Rui apesar do peso dos anos, continuava cada vez mais cruel, judiando muito de Luiza, já que o filho saia para estudar. Agora o homem, ficara inventivo nas crueldades, trancava Luiza naquele porão imundo, verdadeira casa dos horrores, parecendo se deliciar como se estivesse ouvindo o som de uma linda melodia, com o choro da mulher.

Aquele senhor, já começava a sentir, que estava ficando alquebrado e o pior estava por vir, pois Rui estava com câncer, o que lhe tirava as forças, precisando ser cuidado pela mulher e pelo filho, dependendo da boa vontade e caridade de ambos.

Luiza e João, começaram a ter um sentimento dúbio, uma verdadeira dicotomia, por um lado o rancor que os levava a sentir quase que uma alegria incontida, por uma dadiva recebida pelo castigo que a vida deu a Rui, mas ao mesmo tempo um sentimento de pena e de amor por aquele pobre velho doente e acabado.

No fim prevaleceu o perdão, que tanto mãe como filho, abrandaram seus corações, esquecendo rancores, demonstraram apesar de tudo, amor e carinho por Rui, cuidando dele com muito desvelo.

O velho homem acabou tendo seu coração amolecido diante de tamanha demonstração de amor, de carinho, apesar dos males feitos. Com lágrimas escorrendo, pediu perdão por tantos anos de sofrimento, finalmente morrendo em paz.
João casou-se com Yara, dando lindos netinhos para Luiza, possibilitando a ela, nos últimos anos de vida completa felicidade.


Quem era ela? - Hirtis Lazarin

  Quem era ela? Hirtis Lazarin     A rua já estava quase deserta. Já se ouvia o cri-cri-lar dos grilos. A lua iluminava só um tantin...