A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Helena - Christianne Vieira


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Helena
Christianne Vieira


Helena estava lendo um romance meloso. A cada página, um pote de mel era despejado em seu coração. O dia estava escuro, a neblina enchia o ar de melancolia e solidão. Sentia arrepios cada vez que seu personagem favorito se declarava para a protagonista. Parecia ouvir aquela voz  carregada de carinho, em cada palavra. O coração aos saltos, batia descompassado, e a pele alva, clara como neve, se enrubescia,  queimava. Sentia tanta emoção naquelas linhas, como se as declarações  fossem para ela.

De tempos em tempos tomava fôlego e um pouco de água, para  voltar à realidade. Tinha que voltar a realidade, sua vida não era um romance.

Foi até a cozinha. A casa de repente estava escura e a luz tênue  da noite, tomava conta do ambiente. Nem reparara que o tempo havia passado, naquele entardecer quieto. Foi acendendo todos os cômodos, e chegando na sala ouviu um grito.

Alguém, pedia socorro. Atônita, foi lentamente até a grande janela da sala. Se escondeu atrás  da cortina, o coração aos saltos, a alertava de um perigo iminente. Por trás do tecido empoeirado, olhava a rua quieta.

Do outro lado da rua, uma janela se abriu. Helena viu um vulto. Um homem de olhar sorrateiro se esgueirara na penumbra. Assustada, desiquilibrou-se. Em pânico, arrepios subiam-lhe a coluna. Sentia o corpo mole, mas a mente  trabalhava a mil por hora na tentativa de entender o que vira. Ouviu  passos, no corredor. Eles pareciam se aproximar, rapidamente.

Um toc toc toc na porta, tirou-a dos devaneios. Tinha que ser corajosa, enfrentar o perigo. Uma voz metálica, chamou pelo seu nome. Tudo ruiu naquele instante.

Helena sentiu corpo gelar. A passos lentos se aproximou da porta e no olho mágico, tentou reconhecer o estranho que a chamava.

Na tentativa de controlar suas emoções, respirou lentamente, tentando fingir confiança, e abriu a porta.

Ali estava Otavio, seu grande amigo, que voltara do Japāo e foi visitá-la de surpresa. Por estar gripado,  ela não reconhecera a voz.

Feliz e surpresa, ela se jogou no seu abraço , estava segura.


Junto dele não correria perigo. Pediu que entrasse logo, o dia já fora repleto de surpresas.

UM PESADELO REAL - Henrique Schnaider


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UM PESADELO REAL
Henrique Schnaider

Esta história é de uma heroína chamada Raquel, que viveu momentos incríveis em um momento na vida.

Os pais de Raquel eram lavradores, produziam apenas o necessário para a subsistência. Eles tinham mais dois  filhos, além de Raquel. Os rapazes ajudavam na roça.

Somente de vez em quando, numa viagem de três horas , seu pai mantinha contato com outras pessoas da cidade, era quando uma vez por mês, ia vender algum excedente do que plantaram, e comprar alimentos e outras coisas necessárias.

Ela era uma menina bondosa, comportada e muito obediente. Gostava de pintar quadros, e sua mãe Augusta era quem a havia incentivado na arte da pintura, já que ela também nas horas vagas, passava em torno de quatro horas pintando figuras e paisagens rupestres. E assim, ficavam ambas exercitando a arte, terminavam por volta das cinco horas da tarde, enquanto o pai e os irmãos observavam curiosos imaginando o que sairia daquelas telas em branco.

Jonas o pai, era um excelente carpinteiro, tanto que praticamente havia feito todos os móveis da casa. Levava tanto jeito para a coisa, que fazia também belíssimas esculturas em madeira, umas seis por mês, para as quais, tinha comprador certo.
Antônio e Jarbas os dois irmãos, não levavam o menor jeito para as artes, ficavam sete  horas no trabalho do campo, nas horas de folga, jogando conversa fora, observando o que os pais e a irmã faziam.
Naquela manhã, Raquel sentiu-se quase que impelida a começar a pintar um quadro. Conforme surgiam os contornos na tela, começava a se delinear a figura de uma corda puxando o que havia na outra ponta dela, o que parecia ser uma nuvem.

Ela se apressou para terminar a imagem, querendo saber o significado dela quando o relógio batia as oito badaladas.

Seus pais e os irmãos olhavam aquela obra de arte e também, ficaram meio confusos e sem entender exatamente o que Raquel havia pintado, e o significado daquela cena inusitada, que para eles não tinha muito sentido.

Foi quando de repente, o tempo fechou carregado de nuvens escuras isso as nove  horas da manhã, raios riscavam o céu, provocando um barulho ensurdecedor, o vento de tão forte, batia, balançava tudo parecendo que iria levar as coisas embora, derrubar a casa tão bem construída.

Estavam todos assustados e sem saber o que fazer, rezando para a tempestade amainar, já era dez horas da manha, havia passado uma hora, quando de repente o vento violento arrebenta a porta da casa levando e destruindo tudo o que encontrava pela frente, a ponto de todos terem que fugir dali.

Para terror deles, bem acima havia uma nuvem ameaçadora, parecendo ter vida própria e com uns onze a doze seres estranhos pequenos de cabeças enormes, em seguida com uma força incrível arrastou os pais e os irmãos para dentro dela, só escapou Raquel.

Valente ela era, não desistiu de lutar, como tivesse a força de treze homens,  jogou uma corda até a nuvem e com uma destreza inacreditável, puxou-a e prendeu-a, em seguida conseguiu tirar a família daquela coisa horrenda. Os seres fantasmagóricos ficaram olhando espantados diante de tamanha coragem e valentia da mulher, e sem perder mais tempo foram embora.


O tempo melhorou por volta das quatorze horas, o sol voltou a brilhar e o dia ficou aprazível outra vez. Todos felizes por terem escapado ilesos daquela aventura inesquecível, entenderam estupefatos, o quadro que Raquel pintara. Tinha sido uma premonição e uma visão de algo terrível que iriam vivenciar.

Verdade ou alucinação? -Hirtis Lazarin


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Verdade  ou  alucinação?
Hirtis Lazarin

          Acordei assustada com o estrondo de um trovão, acompanhado de um relâmpago que iluminou a sala escura.

          O cuco cantou cinco vezes.

          Cheguei de um plantão de dezesseis horas no pronto-socorro.  Tirei jaleco e sapatos apertados,  joguei-me no sofá confortável e adormeci profundamente.

          A casa estava envolta numa escuridão só.  A única coisa que visualizei foi um passarinho que escapuliu da casinha de madeira do cuco.  Passou voando rente aos meus olhos.  Como esse animalzinho foi parar ali...Até hoje não sei.

          O medo levantou-me do sofá.  Arrastando os pés, tateando móveis e paredes, senti o interruptor de luz.  Energia elétrica cortada.

          Continuei em passos lentos e cuidadosos.  Alcancei a janela da sala que se abria pra rua.  As luzes dos postes estavam acesas.

          O céu cobria-se de nuvens negras.  Atormentadas por rajadas de ventos uivantes, chocavam-se umas contra as outras.  Desses choques caía chuva em abundância misturada a pedras de gelo que caíam sem  dó.

          Um cachorrinho vira-lata encharcado tremia de medo e frio buscando um cantinho pra se esconder. 

          Gritei várias vezes até que me ouviu e chegou próximo à janela.  Com o maior esforço, na ponta dos pés, dobrando meu corpo feito contorcionista , agarrei o bichinho.  Agasalhei-o com meu casaco de lã.  Essa façanha deixou-me tão molhada  que ganhei um resfriado e febre alta por três dias.  Valeu a pena. Adotei o cachorrinho e hoje é um ótimo companheirinho.

          Já fazia mais de uma hora que eu estava ali presa à janela quando uma águia passou, num voo rasante, tendo uma corda presa a um bico enorme e forte.  Na outra extremidade da corda uma menina estava amarrada.  Logo em seguida, outra águia transportando outra menina.  E mais outra...E mais outra.  Contei quatro.

          Não consegui gritar.  A voz ficou agarrada na garganta.

          Não era sonho nem alucinação.  O cãozinho latia, latia sem parar.

          Acordei num leito de hospital rodeada por meus familiares e o Dr. João, médico da família.

          Não contei a ninguém.  Seria difícil explicar o inexplicável.

          O desmaio que sofri ficou por conta do estresse, muitas horas ininterruptas de trabalho, anos sem férias.

          Infelizmente minha única testemunha não fala.

          Estou pesquisando...E não vou parar...Toda vez que chove forte, corro até a janela na esperança de que as águias voltem.

          Até hoje, nada.


          Sou teimosa.  Não desistirei...

A Vila de Matamata - Christianne Vieira

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A Vila de Matamata (numerais)
Christianne Vieira

Frederico abriu os olhos assustado. Só ouvia um tic e tac do relógio de bolso. Ele, baixo de grandes olhos azuis e bigodes grisalhos. A gravata borboleta vermelha e a cartola destacavam no horizonte, imponentes sua função, de guardião das terras baixas.

A cada  duas batidas, o passado se afastava e as três tarefas inacabadas se perdiam  na janela do tempo. Corria contra si mesmo, contra o tempo, Senhor inexorável da vida.

Matamata ficava em um vale florido, mas vivia no fervor de um conflito. Quatro habitantes numa escavação encontraram cinco minas de pedras preciosas, desde então a população antes pacata, se enchera de ambição e cobiça .


Ele tinha que correr até a aldeia vizinha e consultar Dee, o mago. Sábio conhecedor da cultura do Livro dos Anciãos, o único capaz de restaurar a paz. Frederico chegou afobado, derrubou a mesa de carvalho onde seis oferendas estavam dispostas em jarros aos Deuses. Dee virou-se e sete labaredas incandesceram o olhar . No entanto, após oito intermináveis segundos sua calma e serenidade foram restauradas. Já intuíra a razão da visita, olhando ao longe, como se a alma não  estivesse lá. Levou a chaleira ao fogo, enquanto nove nuvens de fumaça subiam ao céu, o mago então recitou a profecia. ….Um antigo feiticeiro há mais de dez séculos invocara as forças do mal, e a magia colocaria fim as terras baixas. Para desfazer esse feitiço, o guardião devia buscar Clarice a feiticeira, e juntos formariam a tríplice aliança. Antes da Lua Azul, as trevas dominariam o mundo. O guardião correu contra si mesmo, contra o tempo, tinha onze quilômetros até a outra aldeia.

PASSEIO INESQUECÍVEL - Henrique Schnaider


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PASSEIO INESQUECÍVEL
Henrique Schnaider

Era o ano de 1976, me lembro como se fosse hoje. Aquela viagem para nós, foi fantástica, um sonho dos deuses, viemos para baixada santista, emocionados, pois era a primeira vez que estávamos juntos. Uma aventura como aquela, eu desde jovem sonhava fazer juntamente com meus amigos,  e finalmente chegou o dia daquela empreitada.

Rodrigo meu amigo mais chegado, brincava comigo, dizendo que iriamos arrumar umas gatas e depois sair com elas para dar umas voltas, tomar um sorvete, ir ao circo e passear na praça em frente. Eu todo feliz imaginando as coisas que meu amigo me dizia.

A praia do tombo, era o objeto dos nossos desejos, finalmente naquele dia tornaríamos realidade, com certeza, iriamos nos divertir muito.

Todos éramos praticantes de surf, cada um tratou de trazer  sua prancha, o mar estava fantástico, estávamos deliciados, Rodrigo não largava de brincar comigo, a praia do tombo era famosa pelas ondas altíssimas, poderíamos surfar, fazer a rasgada, batida, floater, aéreo, cut back e tubo, eu olhava deliciado o mar, estava com uma fome de gente grande.

Na realidade estava, com um tremendo medo, nunca surfara em ondas tão grandes,  não revelava aos colegas a minha fragilidade. Teria que enfrentar meus monstros, conseguir supera-los.

Ed era o mais velho do grupo, com uma experiência maior, inclusive já havia participado de várias competições, o cara era o cobra da turma, enfrentava as ondas feito um peixe grande, era um verdadeiro golfinho.

Passamos horas surfando com sol a pino até ficarmos mortos de cansado, mas ninguém queria parar, realmente estávamos a fim de ficar até a boca da noite, o som das ondas arrebentando, soava para nós como uma música doce e suave.

Disse aos meus amigos, que confessaria a eles algo que não sabiam, sobre os medos que me assombravam ao pegar ondas tão fortes, feito monstros marinhos, mas agora diria que superara meus traumas.

No começo da noite, finalmente paramos para preparar, apesar da hora avançada, um almoço rustico, o cansaço tomava conta de nós.

Pedi ao Ed que usasse a câmera para nos filmar, todos estirados sem conseguir se mover, ninguém tomava  iniciativa de fazer o fogo, o mar estava simplesmente lindo como um quadro de Van Gog, nós grandes amigos olhando extasiados aquela beleza sem fim.

Hoje passados tantos anos, fico pensando como éramos audaciosos.

Nunca mais, haveria em nossas vidas, uma aventura tão linda, inesquecível, ficando para sempre em nossa memoria. 

A Aldeia de Matamata - Christianne Vieira

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A Aldeia de Matamata
Christianne Vieira

Frederico abriu os olhos assustado. Um homem baixo de expressivos olhos azuis, largo bigode grisalho. A gravata borboleta vermelha e a cartola preta lhe conferiam sua função, de guardião das terras baixas.

Matamata ficava no vale, onde a vegetação rasteira se encobria pelas tantas flores.  Há pouco tempo haviam descoberto uma grande jazida de pedras preciosas, e desde então  a população, antes pacata, se transformara em pessoas ruins, ambiciosas. As desavenças cresceram,  a todo instante a temperatura aumentava os ânimos.

Ele tinha que correr, ate a aldeia vizinha, e pedir ajuda a Dee, o mago, Senhor do conhecimento, da cultura antiga dos anciãos. O único homem capaz de reverter  a situação e restaurar a paz. Corria contra si mesmo, contra o tempo, senhor inexorável da vida, que controlava o passado, o presente e o futuro. Tinha alguma esperança em seu coração.
Frederico chegou afobado, como de costume,  derrubou a mesa do mago, jogando ao chão todas as oferendas dos Deuses.
Dee, com sua serenidade costumeira, pareceu perder  a calma, algumas labaredas subiram-lhe pelos olhos. Em instantes, a recuperou e já intuíra a razão  da visita.

O pequeno guardião relatou suas aflições, suplicou  ajuda do Livro Sagrado. Quem sabe os Deuses ainda poderiam perdoar os erros daquele povo.

Dee levou  a chaleira ao fogo, enquanto a fumaça subia ao céu azul, e as nuvens se formavam, parecia ler uma mensagem. Após alguns minutos de silêncio, o mago explicou o ocorrido.

O fim de uma Era se aproximava. Um antigo feiticeiro havia realizado uma magia negra, e profetizara essa tormenta.

Para desfazer esse feitiço, Frederico devia trazer até o mago Clarice, a bruxa . E, juntos os três, uniriam suas forcas em uma aliança. A tríplice aliança teria força suficiente para desfazer as ações do mal. Uma batalha das sombras e da luz seria travada. Deveriam manter a esperança e o coração puro. Acreditar no bem.

Tinham pouco tempo, até a próxima lua cheia encher de luz o céu.


Frederico se arrumou, tomou folego e partiu, seria uma longa jornada, mas ele deveria ser corajoso e valente, estava com o futuro de seu povo nas mãos.


Gente que a gente jamais esquece - Hirtis Lazarin

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Gente  que  a  gente jamais  esquece
Hirtis Lazarin


          Nasci  no primeiro dia de janeiro.  O que deveria ser um presente aos meus pais, tornou-se um pesadelo.

          Jovens demais.  Não fui planejada nem desejada.  Eles não queriam criar raízes.  Queriam o mundo.

          De posse da cidadania italiana, abandonaram-me como se abandona  uma rua ao virar a esquina.  E eu só tinha dois anos de idade.

          Atravessaram o Atlântico e, de mochila nas costas, nunca mais retornaram.  No início, chegaram alguns postais que registravam o paradeiro dos dois.  Foram rareando até que há três anos não mais recebemos notícias.

          Meus "nonos" Virgínia e Antônio acolheram-me de alma e braços abertos.  E foi debaixo dessa árvore verdejante e frondosa que eu cresci.

            Suas flores encantaram-me a vida.  Os frutos deram-me força e robustez. A sombra acolheu-me no calor e na chuva.  No tronco grosso desenhei um coração e dentro dele escrevi o nome da minha primeira paixão.

          "Nona" Virgínia não nasceu no Brasil.  Junto de mais quatro jovens fugiram da Itália escondidos no porão de um navio cargueiro.  Foi ali, misturados ao mau cheiro, ao calor sufocante e à multidão de baratas, que ela conheceu meu "nono" Antônio.   E nunca mais se  separaram.

          Foram aproveitados numa fazenda cafeeira, no interior  de São Paulo.  Do trabalho pesado na roça,  de seis, sete e até oito horas por dia, "nona" herdou um desajuste na coluna e mãos calejadas.  Mãos abençoadas que nunca deixaram de se estender a quem delas precisasse.

          Ao mesmo tempo em que ela tinha voz enérgica, segura e atitudes determinadas, era fofa e doce feito pão-de-ló saído quentinho do forno.

          Seu coração...Ah!  Seu coração foi feito de tecido "stretch".  Estica de cá pra lá...Pra direita...Pra esquerda...E  sempre cabia mais um.

          Eles tiveram cinco filhos.  Os dois mais velhos morreram ainda crianças.  Ficaram minha tia Anita, meu tio Guilherme  e mamãe, a mais nova e a mais desmiolada da família.

          Aos domingos, todos reuniam-se lá em casa.  "Nona" Virgínia era dona absoluta da cozinha.  Não permitia a entrada de ninguém.  O cardápio só era conhecido servido à mesa.  Sem pressa alguma mexia os caldeirões de ferro fundido e, lá de dentro, um cheirinho perfumado, convidativo corria a casa e tomava o rumo do mundo.

          Nós, seis netos, sentíamos prazer em espiá-la pela fresta da janela de madeira desbotada pelo sol.  Se nossa risada nos denunciava, ela saía do sério.  Abria a janela, falava  rápido, esquecendo o português e, da língua toda enrolada, saíam palavrões italianíssimos.  Gesticulava tanto e com tanta rapidez  que parecia ter não só dois,  mas três... quatro ...cinco braços.  E nós sentíamos enorme orgulho por sermos os únicos a ter uma "nona-polvo".

          Os meus "nonos",  simples e verdadeiros criaram-me para a vida, para o mundo.

          Aprendi que nunca teremos tudo que almejamos.  Nem por isso deixaremos de sonhar.  Sem sonho, a vida torna-se vazia, monótona, sem cor.

          O sonho exige-nos esforço.  O esforço conduz-nos ao prêmio.  O prêmio será do tamanho da nossa persistência.

          Na caminhada, haverá momentos em que o sentimento é de esfarrapo.  Haverá outros em que sentiremos ovacionados por súditos imaginários.

          Equilíbrio é saber lidar com a alternância da dor e do  prazer.  Valorizar demais a dor pode provocar inércia e nos abater.  Valorizar demais o prazer pode gerar orgulho e opressão aos que nos cercam.

          Autocontrole, maturidade sabedoria são os ingredientes que não podem faltar à nossa culinária diária.

          Aprendi também que a felicidade não mora em Paris, nem numa Ferrari vermelha do ano, nem numa casa de frente pro mar em Saint Tropez.

          Faz sete meses que a "nona" Virgínia mudou-se pro outro lado do mundo.  A dor do luto...Não sei descrever.  Só sei que começa no coração, sobe ao cérebro, invade a corrente sanguínea e chega à alma.  É isso...  A ausência faz-nos doer a alma.

          O arco-íris que pintava meu céu depois das tempestades se foi...É difícil?  É muito difícil...

          Hoje acordei e passei o dia todo só pensando nela.  Não consegui comer nada.    Tô trancada no meu quarto.  Tremendo de frio,  enrolada no cobertorzinho de berço bordado por ela.  Sinto o seu perfume de dama-da- noite. 

           Vou tentar dormir abraçada ao ursinho de pano que ela costurou.  Surrado,  velho, debotado pela persistência e sem um dos olhos de vidro.

          Sei que vou sonhar com algodão doce e maçã do amor.

Histórias que a gente inventa! - Amora


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Histórias que a gente inventa!
Amora

Carlinhos, um menino muito esperto, tinha grande imaginação. Gostava de inventar histórias, prendendo a atenção dos amigos, que o cercavam constantemente.

Seus temas preferidos eram aventuras com seres desconhecidos em terra, ar ou mar. Criava-os com tanto detalhe e perfeição que até se convencia, confundindo com a realidade.

Filho de pescador à beira da praia, levava broncas de seu pai, que o recriminava por contar tanta mentira, atribuindo isso à fama dos pescadores em sempre inventar fatos maiores do que os acontecidos. Sentia-se  atingido.

Numa tarde de sol quente, mar convidativo, Carlinhos, sozinho na praia, resolve atirar-se n’água para se refrescar.

Distraído em meio às ondas fortes, vai ao fundo, esbarrando em enorme garrafa, contendo alguma coisa estranha dentro.

Curioso, levado talvez por seu espírito de aventura, aproxima-se dela, levando-a para a praia, com grande esforço.

Examina-a atentamente, percebendo, dentro dela, uma espécie de castelo, rodeado por casinhas menores. Havia árvores, flores e pequenos animais. O que seria isso e quem o teria feito, pergunta-se o jovem admirado.

De repente, dá um pulo e cai de costas na areia! Havia pessoas dentro da garrafa, saindo das casas. Pequeninas, caminham apressadamente, parecendo anõezinhos.

Cada vez mais espantado, o menino os observa. Vão todos para o maior castelo, aonde supunha ser a residência de um rei.

Fechadas porta e janelas,  não consegue ver direito o que se passa lá dentro. Só percebe que saem de tempo em tempo, colocando embrulhos enfeitados sobre uma carroça comprida, com umas oito renas, branquinhas, presas à frente.

Encantado, Carlinhos esfrega os olhos, belisca-se, não acreditando! Seria verdade mesmo o que estava vendo? Poderia ser sua imaginação fértil, incentivada pelo sol quente. E ele que gostava de inventar histórias!

Terminado o trabalho, com a carroça cheia de embrulhos, a porta do castelo se abre e surge um velhinho de barbas brancas, vestido como Papai Noel. Gordo e risonho, toma assento na carroça e guia suas renas. A garrafa explode de repente, diante de Carlinhos, fazendo-o dar um grito de susto.

Papai Noel sobe pelos ares com sua carroça, enquanto o menino acompanha-o, até que desaparece entre as nuvens.

Inacreditável! Pensa ele. Que história para contar aos amigos! E verdadeira!

Cansado pela emoção, adormece na praia.

É acordado pelo pai que, bravo, que repreende-o novamente. Dormir, quando havia tanto trabalho a fazer!

O menino, sonolento, tenta contar ao pai o que vira, mas ele nem o ouve, achando que era mais uma de suas invenções. Que contasse para os seus amigos!

Carlinhos, chateado, pensa, “ninguém acreditará mesmo!  Devo ter sonhado!”

Olha para a areia da praia e percebe estilhaços de vidro quebrado, sendo levados pelas águas do mar...


É o Natal que se aproxima, mexendo com a cabeça da gente!

Se eu fosse o mar - Henrique Schnaider


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Se eu fosse o mar 
Henrique Schnaide


Se eu fosse o mar,  seria calmo e profundo

Se eu fosse calmo e profundo, seria a estrada da vida e não da morte.

Se eu fosse à estrada da vida e não da morte, seria o vento amigo e generoso

Se eu fosse o vento amigo e generoso,  seria o mar que todos gostam

Se eu fosse o mar que todos gostam, seria a estrada da vida

Se eu fosse à estrada da vida, seria o vento que sopra para todos

Se eu fosse o vento que sopra para todos, seria tal qual um oceano dadivoso.

Se eu fosse um oceano dadivoso, seria uma estrada que todos querem percorrer

Se eu fosse uma estrada que todos querem percorrer, seria amado por todas as pessoas soprando e amenizando o calor

Se eu fosse amado por todas as pessoas soprando e amenizando o calor, seria calmo e profundo

Se eu fosse calmo e profundo, seria a estrada da vida e não da morte


Se eu fosse à estrada da vida e não da morte, seria o vento amigo e generoso

O EMPURRÃOZINHO! - Amora


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O EMPURRÃOZINHO!
Amora

Mariza é uma moça simples, meiga e bonita. Além da boa aparência, possui uma qualidade notável, a bondade. Habituou-se aos afazeres do campo, veste-se com modéstia, sem vaidade, diferente das moças de sua idade,  que gostam de ostentação. Vive afastada da cidade, num sítio herdado dos pais, com Dona Ana, uma senhora que serve à família há muitos anos, sua única companhia.

Quase não participa das festas da região. Espanta-se muito quando recebe um convite de casamento de uma moça da vizinhança conhecida por sua riqueza e elegância.

Suas famílias haviam sido muito amigas e não havia jeito de recusar sem causar constrangimento.

Preocupa-se, então, com o vestido que iria usar. Examina seu guarda roupa e percebe que nenhum seria muito adequado. Talvez, um antigo, de sua mãe, de tecido mais caro, com pequenos bordados. Depois de pequenos ajustes, poderia lhe servir.

Tira-o do cabide e nota, com tristeza, o cheiro de bolor e pequenos buracos roídos por traças! Também, tanto tempo guardado! Esquecera-se de colocá-lo ao sol.

Sentada na varanda, tenta arrumá-lo, fechando com delicadeza os furos e pedindo a Dª Ana para ir de carroça comprar algum enfeite que servisse como bordado, disfarçando o remendo.

Entristece-se um pouco, pois perdera o hábito de sair e acompanhar a moda das moças do lugar. Arrepende-se de não ter frequentado muito os acontecimentos  sociais. Afinal, era ainda jovem e, formosa. Estava deixando a mocidade passar sem aproveitá-la.

Com algumas fitas e rendas trazidas por Dª Ana, tenta suavizar um pouco a antiguidade da roupa, percebendo ao terminar que não ficou tão bom como queria.

Resolve não ir mais ao casamento, o que contraria muito Dª Ana,  torcendo para vê-la aproveitar um pouco a vida e arranjar, quem sabe, um pretendente.
Com o trabalho no sítio, as despesas eram grandes e, comprar roupa nova, seria impossível no momento.

Mariza abandona o vestido numa cadeira da varanda e entra em casa, desgostosa. Sonhou em ir à festa, mas acabou por desistir.

Nuvens grossas escurecem o céu de repente. O azul brilhante e claro, iluminado pelos últimos raios solares, transforma-se em tons de cinza. Um vento bravo e uivante anuncia forte tempestade. A moça se lembra do vestido jogado e corre para buscá-lo. Um pouco tarde! O vento o está levando para o alto, fazendo com que uma fita se solte, ficando semelhante a uma pipa que, empinada, penetra e some dentro da nuvem.

Mariza tenta puxá-lo com força, antes que se desfaça todo. Fora de sua mãe, pretendia guardá-lo com carinho.

A tempestade é rápida, cessa o vento e vem uma calmaria. A jovem ainda segura firme na fita, tentando puxá-lo.

O vestido volta, caindo aos seus pés, levemente, como uma pétala de rosa. Ela olha-o assustada! Não é mais o mesmo vestido. De antigo, molhado e feio, transformara-se num lindo vestido azul, cintilante, com delicado bordado de pérolas. Um vestido de sonho de contos de fadas.  Mariza seria uma nova Cinderela?

Sem questionar muito, vai ao casamento, atraindo logo o jovem que se tornaria seu esposo.


O destino, às vezes, necessita de um empurrãozinho!

O caracol e a borboleta. - Hirtis Lazarin

  O caracol e a borboleta. Hirtis Lazarin   O jardim estava festivo e cheirava a flor. Afinal de contas, já era primavera. O carac...