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segunda-feira, 28 de agosto de 2017

O trem saudoso! - Amora

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O trem saudoso!
Amora

Estou velho, usado, gasto! Parado aqui neste parque, sirvo apenas para exibição! Coisa antiga usada para locomoção e atraindo curiosos!
Alguns entram, sentam-se, exclamam” deveria ser gostoso viajar assim! Que época boa! ”

Era mesmo! Muito bons aqueles tempos, quando minha obrigação era sair logo cedo da estação e levar gente ocupada ao seu destino, trabalho ou passeio, ansiosos, alegres, felizes para chegar.

Levava meu trabalho a sério, obedecendo rigorosamente os horários. Assim que ouvia o apito do motorista, disparava em direção a Santos, ou, na volta, para São Paulo. Meu roteiro era esse. Ligar Santos a São Paulo e vice-versa, através dos trilhos.

Acho que hoje nem existem mais trilhos! Era tão gostoso ouvir aquele barulho diário, equilibrando-me para não sair deles. E as paradas, então, era um baque súbito que, levemente, eu freava, para ninguém cair.

Gostava muito dos meus passageiros. Muitos, andavam diariamente comigo. Ficávamos amigos. Assim que eu apontava na estação, corriam para mim como se fosse um abraço apertado dado num amigo. Eu ficava satisfeito!

Outros, desconhecidos, de cara emburrada, meio preocupados, logo mudavam suas fisionomias, ao começar a viagem. Sentavam tranquilos, olhando a bela paisagem, ainda mata cerrada. Sorriam e observavam pela janela o tempo todo.  Quando próximo ao mar, então, dia claro, ensolarado, a admiração era grande. Só ouvia exclamações de prazer.

Saudade daqueles tempos.  Havia vida, movimento. Não era apenas um objeto.  Lembrança de uma época passada.  Demonstração.

Nunca tive nenhum acidente nem acontecimento triste. Ah! Lembro-me agora, sofremos uma perda, certa ocasião. Quem nunca as teve.

Todos os dias levávamos a Santos um senhor muito distinto, elegante, com sua bengala de cabo de prata e cartola alta. Nunca soube se era passeio ou trabalho. Sr. Honório.

Acompanhava-o uma bela moça morena, de cabelos cacheados puxados num coque alto, bem trajada, sempre sorrindo. Parecia filha, afilhada, nada perguntamos.  Cada passageiro era livre, desde que tivesse sua passagem.
Acostumamo-nos com eles.  Gostávamos de vê-los sempre bonitos, bem vestidos, felizes.

Numa manhã meio escura, com neblina pelo caminho, paramos numa pequena estação para recolher um cavalheiro meio agitado, fazendo muitos sinais. Logo que subiu, não sentou, mas começou a percorrer os vagões como se estivesse procurando alguém. Parou bem à frente do sr. Honório e sua acompanhante. Olhou-os feio e, sacando de um revólver, atirou neles, bem no coração. Foi um escândalo. Gritaria por todo o lado. O bilheteiro, o maquinista, todos correram ao local, mas não deu tempo para salvá-los. Morreram os dois ali mesmo, ambos abraçados, enquanto o outro pulava minha janela. Tivemos que voltar, teve polícia, ambulância, declarações.

Meu coração ficou apertado! Mal conseguia dirigir.  Dó, susto, medo, não sei que sentimento me abateu. Fiquei pasmo por muitos dias!  Justo comigo, tão calmo, uma tragédia dessas!

Soube depois que a moça linda era casada, mal casada, pelo jeito, sendo sr. Honório seu amante. Iam a santos para namorar.

O assassino, descoberto, foi preso, julgado e, logo solto, achando os jurados que todo homem traído tinha que lavar a honra com sangue. Leis antigas do nosso passado, abolidas com o tempo, felizmente. Temos algumas mudanças, atualmente, que vieram para o bem.

Sem esse acontecimento, posso dizer que minha vida de trabalho foi muito boa, deixando saudade.  Gostei de ser um trem de passageiros, de percorrer aqueles trilhos, ver paisagens pitorescas, conhecer gente amável e alegre, que sabia vivenciar uma viagem, sem pressa de chegar


Fico aqui neste parque, enferrujando minhas peças, atraindo olhares, tentando gostar. Não é mais a mesma coisa!

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