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quinta-feira, 22 de junho de 2017

Se eu fosse eu - Hirtis Lazarin


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Se eu fosse eu
Hirtis Lazarin

          Se eu fosse eu,  viraria minha vida de ponta cabeça.

          Andaria de bicicleta "a mais não poder" só pra ter meus cabelos revirados pelo vento, me arrepiar com as gotas de suor  geladas escorrendo nas minhas costas.

          As portas de casa não teriam chaves pra que você entrasse quando bem entendesse.

          As cortinas finas e transparentes das janelas enfeitadas com violetas não esconderiam o olhar curioso e maroto do menino espião.

          Cultivaria um jardim imenso,  me alimentaria de pétalas coloridas e me banharia no perfume das flores.  A lua seria homenageada pelo cricrilar dos grilos e pelo piar das corujas vigilantes.

          Não estancaria minhas lágrimas se elas insistissem em aparecer, seja de tanta alegria, seja de tanta tristeza.

          Não me envergonharia da minha gargalhada escancarada quando só eu achasse graça.

          Meu perdão teria limites e minha compreensão também.

          Deixaria meu mau humor extravasar e, se necessário fosse, meus palavrões também.  Sou humana e não de ferro.


          Bem, se eu fosse eu, eu e somente eu,  seria dona de mim.

Se eu fosse uma bruxa- Hirtis Lazarin


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Se eu fosse uma bruxa
Hirtis Lazarin

          Se eu fosse uma bruxa não teria nariz adunco nem verrugas.  Meus cabelos seriam compridos e soltos ao vento.

          Minhas maçãs não seriam envenenadas.  Seria amiga das princesas, duendes e dragões.  Viveria rodeada de pássaros e jamais permitiria que um urubu agourento se aproximasse de mim.

          Dançaria na relva louvando o luar.

          Curtiria estrelas, árvores e flores.  Minha magia seria sentir a natureza e trazê-la sempre pra bem perto de mim.

           Eu não usaria uma vassoura pra voar.  Deixaria que o vento me levasse pra qualquer direção.

          Seria livre pra acreditar no que eu quisesse,  sem necessidade de obedecer dogmas e imposições.


          Eu seria a "ovelha branca" da família.  E, com certeza, me expulsariam pra bem longe dali.  

Invisibilidade - Ana Catarina SantAnna Maues


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Invisibilidade
Ana Catarina SantAnna Maues

   O fenômeno de se passar despercebido é mais comum do que imaginamos. É coisa corriqueira entre os humanos, todos passam por isto, mais cedo ou mais tarde. Tornar-se oculto é entrar num universo paralelo sem saber como, nem por quê. Abre-se um portal e lá você fica camuflado. De certo que já experimentou este fenômeno. Quantas vezes aconteceu de num salão, o garçom passar com a bandeja de salgadinhos, oferecer a todos em sua volta, passar bem perto, você até estica a mão, mas não alcança e ele se vai, te deixando de olho espichado. No elevador, pessoas entram e não te enxergam. Ocasiões que os amigos numa roda, batem alegre papo, você chega junto e eles nem te olham. Em recepção, o homenageado aparece, está cumprimentando todos com um aperto de mão, você se coloca na fila, está chegando a sua vez, a ansiedade cresce, e bem na sua hora ele muda de direção. Almoço de domingo, família reunida todos atentos cada um contando uma história, quando você inicia a sua, não dão ouvido.


   Há também acontecimentos, em que a invisibilidade é chamada de milagre.  Num assalto em ônibus, o bandido tira os pertences de todos e não os seus. Caminhando numa praia, em dia sem chuva, um raio cai ao lado sem te atingir. Quando se envolve num acidente de carro, de grande proporção, e sai sem um arranhão. Demissão em massa na empresa, e seu nome não está na lista. Estas são ocasiões de agradecer sua invisibilidade, diferente disto não se irrite, você está transparente.

O sonho de Mara! - (Amora)

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O sonho de Mara!
(Amora)

Desde pequena, Mara gostava de ouvir e contar histórias.

Quando entrou na escola, iniciando as primeiras letras, inventava pequenos textos, que, mesmo não bem escritos, para ela, significavam alguma coisa.

Ora um bichinho de estimação, uma boneca maltrapilha, uma casa de fazenda, crianças brincando, sempre imaginando começo, meio e fim.

Com a leitura e escrita, no decorrer dos anos, foi aprimorando seus conteúdos e escrevendo histórias bem elaboradas. Passou logo da fase infantil para juvenil e adulta.

Isso fez com que se tornasse conhecida como boa aluna em literatura, ganhando desde cedo valiosos prêmios.

Incrível e espantosa a facilidade com que escrevia, aceitando qualquer tipo de tema e recebendo muitas ofertas para participar de jornais e revistas.

Suas colunas, muito apreciadas, eram devoradas pelo público, desde frequentadores de bibliotecas, até ambulantes.

Sua habilidade como escritora chegou ao máximo, quando recebeu o maior prêmio dedicado à literatura, o Nobel,  suíço, pela ficção e descrição de uma viagem interplanetária, preocupação de alguns países ricos, no momento. Teve com ele o maior índice de vendagem. Fazia com que o leitor se transportasse para uma nova realidade, sentindo e vivenciando cada passagem lida.

Essa vida de escritora famosa modificou-se de repente.

Um impedimento ocular, transformando-se em doença rara, fez com que interrompesse suas atividades, deslocando-a para lugares de tratamento e tentativas de melhora.

Seu abatimento físico e moral foram grandes. Parar de escrever, a razão de sua vida.

Em tratamento, dedica-se a palestras para estudantes, ensino de elaboração de textos e correções para escritores iniciantes. Adapta-se, pouco a pouco, à nova vida, aceitando as dificuldades impostas pelo destino, recebendo talvez por isso, a mesma consideração e respeito de sempre.


Sua vida se tornou exemplo de força de vontade e capacitação à deficiência sentida.

BRUXA DISSIMULADA - Do Carmo

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BRUXA DISSIMULADA
Do Carmo


Eu nasci estranha. Minha mãe sempre repetia isso.

Mas, convivia muito bem com meus amigos.

Sempre achei que era uma meiguice em pessoa.

Por muitos anos tive que dormir no sótão, minha mãe tinha medo de mim.
Tinha dias que eu sumia de casa e voltava transformada, cheia de ódio.

Pensava que saindo sem rumo, aliviaria a humilhação que minha mãe me fazia passar na frente de meus amigos.

Ledo engano, eles começaram a acreditar que eu era realmente uma bruxa dissimulada.

Um dia provarei que não sou nada disso, em todas as hipóteses.

E vai ser hoje, no aniversário de minha mãe, que vou conseguir mostrar o que queria que todos pensassem.

Em plena festa, na hora da música de parabéns, na frente de todos, abrirei minhas asas e sairei voando 

O SEQUESTRO - Do Carmo


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O SEQUESTRO
Do Carmo



Que susto, nunca pensei que chegaria aqui.

Sequestraram-me em plena avenida, colocaram-me à força dentro de um carro escuro e passaram uma venda em meus olhos.

Que lugar é este! Qual o motivo dessa barbaridade?

Deveria estar com medo, mas não estou, pelo contrário, estou curiosa para ver até onde chegarão.

Encontro-me num salão iluminado, todo colorido, com bela música e odaliscas dançando.

Fico estupefata ao ver na parede um enorme quadro, com moldura dourada, é uma pintura a óleo e nele a imagem de Eli, meu ex namorado.

Ah! Agora entendi, sentiu a minha falta.


Eli apareceu com roupas diferentes. Aproximou-se, pegou a minha mão e disse que havia herdado grande fortuna de um antepassado árabe. Foi buscar-me, pois dentre todas as mulheres de seu harém, amor ele só tinha por mim. 

EM VISITA A UM MUSEU. - Do Carmo


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EM VISITA A UM MUSEU.
Do Carmo

Em viagem ao deserto de Saara, visitei muitos lugares interessantes. Mas, Agadir trouxe-me lembranças de minha sonhadora adolescência.

Além dos livros que faziam parte do programa escolar, a professora de Português pedia que, nas férias, lêssemos dois títulos de escolha aleatória, os quais fariam parte de prova oral.

Antes de terminar o semestre, consultei a biblioteca do colégio e encontrei um título que me interessou “O Sheik de Agadir”, não lembro o autor.
 
Apaixonei-me pelo protagonista, sonhava com o príncipe do deserto, de pele queimada de sol, cavalgando um alazão negro. Ao devolver os livros, a bibliotecária perguntou minha opinião sobre as leituras. Meu coração pulava no peito sempre que falava do Sheik. Sorridente contou-me que tinha a continuação do livro, “O filho do Sheik”, imediatamente peguei-o e li com voracidade. Mais e mais me emocionava com aquele desmedido amor.

Do segundo livro, esqueci completamente.

De repente, saio do torpor das recordações, pois vejo misturado com peças muito antigas, a lendária “Lâmpada de Aladim”, com placa de identificação como sendo autêntica.

Ah! Se eu pudesse comprá-la, realizaria um sonho de mais de cinquenta anos acalentados.


O DUAS CARAS - Francisco Lucio Pereira


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O DUAS CARAS
Francisco Lucio Pereira

Ao ser apresentado a alguém, ele olhava de cima para baixo, com aquela cara séria esquisita, alguns mais ousados diziam:

— Ta me medindo por que vai me dar um terno?

A resposta era imediata:

— Quem sabe, um terno de madeira!

Assim era o senhor Ricardo, dono de muitas terras no interior de Pernambuco, ainda na época da escravidão.

Os escravos eram tratados com rigidez. Alguns até eram colocados no tronco por desobediência, outros sempre acorrentados.

Ele dizia que os negros de canela fina eram fujões, por isso aquele tratamento. Com os familiares, cara sempre fechada. Só com poucos mudava por pouco tempo.   

Os filhos começaram a ir embora. Até a esposa também.

Sozinho, amargurado, começou a andar pela floresta. De repente viu vários macacos, um estava quase morto caído, chegou perto, os outros correram.

O fazendeiro levou o bicho para casa tratou-o, e ao se recuperar o macaco disse gritando com medo:

— Onde estou? Cadê meus amigos?!!

— Calma, está em minha casa. O que? Você fala? Macacos não falam!

— Mas eu falo e cuido da minha família, onde estão?

— Ao redor da casa, pulando. Calma.

Uma grande amizade se formou naquele momento.

Depois de medicado o bicho pulou no colo do patrão.

— Obrigado. Tenho até nome, que o senhor me deu.

- É claro, Chico. Seremos sempre amigos, aliás meu único amigo, os outros se foram.

O tempo passou, quando Marcelo pensava nos familiares, vinha a tristeza, o macaco fazia macaquices tentando animá-lo, mas nada, via o patrão definhar naquele quarto sombrio sem esperança, depressão profunda, à noite choveu .
Ao amanhecer o sol raiou, Chico correu abriu as cortinas fazendo muito barulho.

De repente a porta se abriu, apareceram como por encanto, três garotos pequenos, trigêmeos, olharam fixo, sorrindo gritaram em coro:

— Vovô!!! Vovô!!! Marcelo Vovô!!!

 Logo todos se abraçaram

— Viemos, pai, viemos para ficar.


O fazendeiro se recuperou com rapidez. Passou a tratar todos de forma diferente. A cara mudou e daí pra frente foi só felicidade infinita.

INCERTEZA CRUEL. - Do Carmo

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INCERTEZA CRUEL.
Do Carmo


Aos trinta anos, ainda não sei quem sou. É muito estranho esse meu sentimento de insegurança.

Sou o caçula de quatro filhos, o único homem da casa. Vivo com minha mãe e três irmãs. Sempre convivi com mulheres.

Minha mãe trabalha como bibliotecária em uma escola de freiras, sai cedo e volta ao anoitecer. Nós ficávamos com uma babá e a vovó. Mais duas mulheres.

Em casa, as brincadeiras eram sempre com meninas. Na rua não podia brincar porque os moleques eram maiores. Restavam-me as meninas.

Hoje sou eu quem escolhe ou desenha as roupas das minhas mulheres, como chamo as maninhas. Escolho complementos e acessórios. Sempre sou elogiado.

Bem no fundo do meu íntimo, sei que gostaria de jogar futebol, tênis, assistir lutas de Box, mas como sempre a maioria ganha, eu minoria calada, fico no “tudo bem”.

Sou o motorista, acompanhante, conselheiro, e mil títulos de serviçal às ordens.

É só acenar, que lá vou eu.

Sou carinhoso, sentimental e muito sensível, gosto de servir minhas mulheres e participar de suas vidas.


Será que sou gay?

Quem era ela? - Hirtis Lazarin

  Quem era ela? Hirtis Lazarin     A rua já estava quase deserta. Já se ouvia o cri-cri-lar dos grilos. A lua iluminava só um tantin...