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quinta-feira, 4 de maio de 2017

O diário proibido - Christianne Vieira


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O diário proibido
Christianne Vieira

Valéria entrou em casa feito um tufão, estava muito atrasada, e ainda tinha muitas trabalho para entregar.

A agência de publicidade tinha enxugado o quadro de funcionários, e os que ficaram agora  acumulavam funções. Melhor é ter  emprego, pensava todos os dias, e  paciência, tinha que correr mais.

Sempre foi uma mulher ativa, acumulava um milhão de atividades em um único dia, agora, mãe de dois meninos, e trabalhando dobrado, parecia uma formiga atômica.

Deixava os meninos bem cedo na escola, e iniciava uma agenda, que só iria ser encerrada, após colocá-los na cama, lá pelas nove da noite.

Sobrava um tempinho para ela conversar com seu marido, antes de se jogar ,  um zumbi, na cama.

Arrumou uma nova empregada, e explicou várias vezes a rotina, mesmo assim não conseguia encontrar nada. Precisava achar uma caixa que trouxe da casa dos seus pais, da época da faculdade.

Depois de revirar, alguns armários, encontrou a caixa, com a tampa entreaberta, o que lhe pareceu muito estranho, e para a sua surpresa, seu diário da adolescência, estava, aberto.

Poderia perder alguns minutos, abriu-o e começou a ler. Nas primeiras páginas,   bateu o maior pânico, esse diário era do seu pior ano, onde sua rebeldia fez com que tivesse feito coisas terríveis, caso alguém soubesse, seria a maior vergonha. Pensava que ele tinha sido jogado fora, justo esse, o pior, estava ali na sua frente. Naquele ano, seus amigos foram  a turma do fundão, o terror da escola, seu rendimento escolar fora péssimo, seu namoradinho, uma tranqueira, e provavelmente tudo que escrevera naquelas páginas, lhe dariam enxaqueca. Gastou muitos anos de terapia, para esquecê-lo.

Era casada com Artur, um homem muito sério e tradicional, ele nem sequer poderia sonhar, que a mãe de seus filhos fora capaz de fazer tudo aquilo.

Mas, quem poderia ter o encontrado o diário antes dela? Só  poderia ter sido ele, ou a Nete.

Artur estava viajando a trabalho durante a semana toda, não seria bom  conversar sobre isso à distância. Toda vez que ela tinha algum assunto delicado para tratar com seu marido, procurava uma boa hora para fazê-lo. Definitivamente essa semana não teria esse momento.

Teria que se livrar daquele diário.

Primeiro, rasgou suas primeiras páginas, onde tinham seus dados pessoais, picou em vários pedaços, em seguida folheou, e  as que considerou serem  piores, arrancou, e picou também. Achou melhor levar o que sobrara para um lixo distante de casa, colocou dentro de uma sacola preta, lacrou com fita crepe, e jogou no porta-malas de seu carro.

Sua semana foi intensa, e passou rapidamente. Quando chegou a sexta feira, seu marido pediu que ela o buscasse no aeroporto,  estava com saudades.

Qual foi a sua surpresa quando abriu o porta-malas para guardar a mala, e encontrou o pacote, ela olhou para ele, desconcertada, e disse que mais tarde conversariam.

Artur achou a atitude estranha, mas estava cansado da viagem, e concordou em esperar.

Enquanto isso Valeria pensava  como poderia explicar, que  fizera tantas coisas erradas, no seu passado. Ela o amava demais, não queria carregar marcas de um passado sem juízo.

Tinham um combinado, deveriam ser  honestos e sinceros, um com o outro, naquelas páginas, um mundo distante de sua vida atual, como se relatasse os dias de uma estranha. No dia seguinte, encontrou um momento bem calmo, sentou no sofá ao lado de Artur , e lhe contou, omitindo várias partes, que aquele era seu diário, que encontrara e ela havia escondido, para que os meninos não o lessem.


Ele  a ouviu, calmamente, a abraçou e disse não se importar com esse assunto, recomendou que ela o jogasse fora. Valéria respirou aliviada, talvez seus segredos continuassem seguros e distantes, mas a dúvida, de quem o lera permaneceria para sempre. Por mais que tentasse, sabia que não poderia fugir daquelas páginas.

O DIÁRIO DE GLAUCIA - Christianne Vieira



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O DIÁRIO DE GLAUCIA
Christianne Vieira

Uma  tarde chuvosa, um dia tristonho com cara de inverno, bom para dormir a tarde toda, se entupir de chocolates, assistindo a um bom filme. Teria uma tarefa muito chata pela frente, desmontar a casa de seus pais. Já empacotara  quase todos os objetos, roupas, utensílios de cozinha, jardim, e mais um monte de cacarecos acumulados ao longo de muitas décadas.  Olhava ao redor e parecia que nunca conseguiria dar um fim.

Glaucia já estava muito cansada, cheirava a pó, e naftalina, não sabia porque os antigos gostavam de encher os armários  com elas. O ar parecia ser ainda mais velho, dentro deles.

Ela odiava essa tarefa, e tudo que se relacionava a ela. Arrumação era a atividade número um, na sua lista de coisas odiosas. Seus irmãos viviam ocupados, ela foi a intimada. Teriam que entregar o imóvel em poucos dias, e empacotar três décadas, de história.

Tentou muito se esquivar, fingiu estar em crise de rinite, simulou uma virose, mas nada adiantou. Bom, sem saída, foi para lá e resolveu que terminaria logo com essa chatice.

Agora, só restava, o último e temido cômodo, o quarto de despejo, lugar esse que todos, por vários anos, despejaram tudo aquilo  que não gostavam, ou queriam , na verdade se livrar.

Entrou com cuidado, devido a pilha de badulaques jogados, prontos para espatifarem, ou até mesmo soterrá-la em escombros.

Como o passado pode ser tão pesado?! Como pode carregar tantas angústias? Mexer nessas pilhas, era o mesmo que cutucar feridas ainda abertas, ou questões mal resolvidas.

No entanto, ela não tinha mais o que fazer? Uma vez, que se encontrava sem saída, teria que começar. Uni duni te, a escolhida foi você. Apontou na direção da pilha sorteada ao acaso, e retirou a raquete de tênis, sem cordas, que estava no topo... embaixo encontrou uma caixa lacrada com durex, era tanto durex, que se alguém tivesse que se enforcar, talvez conseguisse.

Era muito velho, parecia verter uma gosma, fantasmagórica assustadora. Imaginou-se entrando em coma, em contato com tantos ácaros.

Foi soltando toda aquela meleca, até que liberou a tampa da caixa. Primeira parte concluída. Ufa, já era algum progresso, continuava viva.

Encontrou então livros, cadernos, todos encapados, com plástico colorido, veja bem, não era contact, ultra moderno, era o velho plástico mesmo, que dava o maior trabalho na hora de embalar. Ela lembrava da dificuldade!

No fim da pilha, surpresa, um diário rosa, gordo,  tão gordo que nem fechava. Tinha tantas coisas coladas entre as paginas, que se assemelhava a listas telefônicas.

Essa história de remexer no passado estava ficando alucinógena. Se contasse para algum jovem, eles achariam que ela estava realmente pirada.

Respirou fundo. Quantas lembranças ele havia guardado ao longo desses anos?
Fazia tanto tempo, que ela não se lembrava. Abriu a contracapa, nome, Glaucia, idade, 14 anos.

Meu Deus, já fazia quase quarenta anos... Quantas coisa ela vivera depois disso! Talvez até gostasse de ler.

Essa época em sua vida, fora repleta de descobertas, a primeira paixão, a mudança de escola, o turbilhão de hormônios que faziam da sua vida uma montanha russa.

Seria uma forma de chacoalhar sua vida monótona. Fazia tempo que não encontrava cor e alegria.

Aqueles anos, de adolescência cheios de cor, planos, quando  amava cada embalagem de chup chup morango  colado, se preocupava com cabelo, ou com espinhas. Chorava escutando na vitrola musicas  românticas. Distante, mas muito  vivo dentro dela.


Como se um portal tivesse sido aberto, o passado  e o presente andassem lado a lado. Sentou em um cantinho,  parecia ter encontrado um pote de ouro no fim do arco-íris, aquele diário estava salvando sua vida, descortinando sua alma. Quem sabe, seria seu passaporte para uma nova chance de ser feliz?!

O diário. - Amora


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O diário.
Amora

Hábito comum havia antigamente, fazer diário. Era uma forma de expressar sentimentos, comunicar-se, registrar momentos importantes e inesquecíveis. Ou escreviam cartas longas, ou marcavam em seus diários, o que não queriam esquecer.

Eu mesma, na infância e adolescência, fiz um diário. Não escrevia à máquina nem, atualmente, em computadores. Já estamos até entrando em nova era, quando só basta “pensar” que  fica registrado. Não entendo muito sobre isso, mas será num futuro bem próximo.

Sinto falta daquele tempo, quando a única preocupação era esconder o diário para que ninguém o lesse.   Hoje, a invasão da nossa privacidade é muito maior. Triste isso! Parecemos robôs ou marionetes manejados nem sabemos direito por quem? Suas intenções! Qualidades! Objetivos!

Controlados, talvez por máquinas! Sem vida. Sem alma. Falta espiritualidade.

Gosto das coisas antigas, dos costumes, linguagem, educação, respeito, atraem-me. Apego-me a filmes, livros, objetos, museus, até vestuário. Espero que sejam preservados para sempre!

Ah! Lembro-me, agora! Entrei, certa vez, numa casa velha, vazia, colocada à venda para demolição. Talvez um novo prédio, cheio de divisões ou compartimentos. Mania perigosa que tenho!

Sua construção antiga, arquitetura refinada, lembrando estilo barroco, período rococó, revelou mais ou menos a personalidade da família que ali morou. Gente abastada! Nobreza! Bairro de São Paulo considerado muito chique, em tempos passados, Campos Elíseos.

Visitei os cômodos enormes, tetos altos, algumas pinturas existentes, desenhos descascados que ainda se viam sob o desgaste aparente.

Muito surpresa, verifico, num dos quartos, uma velha cômoda de cerejeira, estilo Luís XVI. Cheia de gavetas enfeitadas com puxadores de cobre. Com certeza, não despertou interesse de ninguém,  ou não a tenham visto. Deve valer muito nas  lojas de antiguidades, apesar do estado.

Curiosa desde menina, sempre sonhadora e romântica, verifico se as gavetas ainda abrem. Sim, uma delas, a última,  não está emperrada. Abre facilmente.
Entre alguns papéis irreconhecíveis e jornais esmaecidos, o que vejo? Um caderno capa dura, amarelado pelo tempo, com folhas rasgadas nas pontas. Abro-o e percebo ter sido um diário. Alguém deixara nele, com tinta nanquim, ainda visível, escrito à pena, com certeza, impressões de uma vida.

Emocionada, sem que ninguém visse, apanho-o, fecho silenciosamente a gaveta, coloco-o na sacola e saio, às pressas, com medo de ser interceptada.  Senti-me carregando um tesouro, a ser escondido e revelado em minha casa, meu sofá, local predileto de leitura e filmes.

Feliz por morar sozinha, dessa vez, pois não seria importunada por ninguém!  Era um sábado, 18 de março de 2000.

Sento-me de modo confortável e, com mãos trêmulas,  controlando meu coração acelerado, folheio, delicadamente, as primeiras páginas. A tinta muito clara e a letra leve, redonda, formando pequenas curvas mais acentuadas, demonstram ser de mulher. Realmente, mulher jovem, alegre e apaixonada, percebo  logo. Seu nome, Valéria.”

São Paulo, 25 de maio de 1912, 8,00 h.
Hoje, levantei-me contente, querido diário, meu amigo mais íntimo, de todas as horas. Dia claro, ensolarado, céu sem nuvens, novidades boas no ar. Soube,  ontem, por papai, que meu prometido, Alfredo, está para chegar da Europa. Acompanhado pela mãe e irmãos, findou seus passeios e estudos em Paris, após rumores de guerra, principalmente França.
Finalmente, vou rever meu quase noivo, escolhido por nossas famílias, entre tantos primos e conhecidos que temos.
Gostei muito dele, colocando em Alfredo minhas aspirações de felicidade.
O meu dia hoje será de preparativos, idas a costureiras,  enxoval, muitas coisas que mamãe irá resolver. Sinto-me feliz.
Após algumas interrupções, voltei à leitura no dia seguinte.

São Paulo, 05 de junho de 1912, 10,00h 
Querido diário. Não tenho escrito muito nesses dias, porque a correria está sendo grande.
Amanhã, iremos a Santos esperar Alfredo e família que chegarão no vapor das cinco. Meu entusiasmo é grande e minha saudade também. Estou muito ansiosa com tantos preparativos e não vejo a hora de repousar em seus olhos claros, desmaiar no seu sorriso bonito, seu porte elegante e calmo. Ele é diferente dos rapazes que conheci até hoje.

Continuo lendo, bastante interessada, em outro momento.

São Paulo, 20 de junho de 1912, 9,00h
Alfredo chegou! Sua aristocrática família, também. Alegre, saudoso, gentil, encheu-me de carinhos e presentes, demonstrando que não me esqueceu, apesar dos anos fora e tantos conhecimentos adquiridos.  Morria de medo que, com o tempo, esquecesse do seu compromisso aqui, no Brasil. Quanto a mim, bastou um sorriso seu para voltar todo o meu entusiasmo e amor por esse homem que preenche tudo que penso em assuntos românticos e sentimentais. Gosto dele e, se não casarmos, não quero mais ninguém!
“novo dia, nova leitura.”

São Paulo, 09 de julho de 1912, 9,00h
Querido diário, sempre apaixonada, espero Alfredo todas as noites. Tem vindo jantar e passa horas conversando com papai, no escritório. Acho que conversam sobre sua viagem e estudos realizados.  Ambos são advogados e têm muita coisa em comum. Logo marcaremos uma data para o nosso noivado que, segundo ele, será rápido, marcando o casamento quase em seguida. Será mais uma satisfação à sua mãe e à sociedade, amigos que frequentamos.

Vejo-me envolvida com Valéria.

São Paulo, 01 de agosto de 1912, 10,00h
Hoje o dia amanheceu lindo. As rosas do jardim parecem mais brilhantes e vivas, combinando com o meu coração.
Querido amigo diário! Meu noivado foi ontem, maravilhoso, sentindo-me a mais feliz das mulheres. Alfredo nunca foi tão amoroso e gentil! Nossa festa deu certo, meu vestido ficou muito bom, os convidados estavam alegres, participando da nossa felicidade. Os familiares contentes, confirmando ser a nossa união do agrado geral.
Nunca me senti tão segura e  certa do passo sério que é um casamento.  Já me sinto unida a Alfredo como se nunca tivesse separado.
Algumas amigas que hoje são casadas, não sentiram essa segurança. Pareciam estar nervosas e indecisas até o grande dia, quando se acalmaram. Marita foi uma delas, minha melhor amiga, nervosa como só ela. Será minha madrinha. Ela e o marido Leandro, que é tão bom quanto Alfredo será.

Que interessante! E agora, o que virá, tantos anos antes?

São Paulo, 04 de setembro de 1912, 9,00h
Meu casamento foi marcado para 12 de dezembro, dia do aniversário da minha futura sogra. Os preparativos são muitos, roupas, moradia, móveis, presentes, convites, escolha da igreja, ensaios, número de convidados. Eu e Alfredo estamos meio estressados. Mal temos tempo par conversar,  namorar como fazíamos antes. Nunca pensei que um casamento desse tanto trabalho. Ele, coitado, começou a trabalhar, montando um escritório de advocacia na Rua Direita, em sociedade com um amigo. Seus momentos de lazer terminaram. Ultimamente, temo-nos visto pouco. Sinto sua falta e espero que o casamento chegue logo.

Entusiasmada e emocionada, continuo lendo seus relatos como se fosse um romance.

São Paulo, 12 de outubro de 1912, 8,00h
Meu diário, meu companheiro. Escrevo aqui minhas preocupações também. Ando entristecida porque não tenho visto meu noivo como queria. Como nos víamos antes. É tanto trabalho, tanta coisa para resolver, que vou acabar ficando igual às minhas amigas, nervosas até a cerimônia. Marita tem me ajudado  vindo várias vezes fazer companhia. De vez em quando, olha-me assustada, como se quisesse me  dizer alguma coisa. Acho que é preocupação demais. Sempre foi meio cismada. Logo chega dezembro e tudo se resolve.


Novas palavras no diário: percebo, preocupada... Tudo indica alguma modificação no assunto.




São Paulo, 15 de novembro de 1912, 10,00h
Tenho escrito pouco. Até vontade e tempo de escrever está sumindo. Faz uma semana que Alfredo não aparece, alegando muito trabalho e pequenas viagens. Parece que a guerra na Europa está começando mesmo e isto o tem preocupado. Medo que atinja também o Brasil. Meu pai também anda preocupado e olha-me compadecido. Sinto algo no ar! Alguma notícia estranha. Desabafo-me com você, coloco minhas preocupações nessas linhas estreitas, em você, meu diário. É a única maneira que tenho de falar, sem causar constrangimento.

Entristecida, prevejo outro final para a linda história de Valéria!

São Paulo, 28 de novembro de 1912, 10,00h
Não tenho vontade de escrever! Sinto que amadureci ou endureci de repente, querido diário. Minha angústia e tristeza é tanta que, acredito, seja o dia de hoje, uma despedida. Deixo aqui gravadas, em você, meu amigo, como se fosse alguém e não um objeto de expressão.
Após algum tempo de pequenas frustrações, ausências repetidas e desculpas de Alfredo, recebo a visita de Marita que, muito reservada, chama-me ao meu quarto para conversarmos. Com muita delicadeza e mágoa, prepara-me para uma notícia triste. Soubera, pelo marido, que Alfredo se apaixonara por uma mulher humilde, muito bonita, com um filho a caminho, querendo desfazer o compromisso de noivado, mas não tem coragem. Abriu-se com a mãe que, de desgosto, mudou-se para outra cidade. Não poderá haver mais casamento, nessa situação. Alfredo sempre foi um homem sentimental, um pouco fraco e  sensível, colocando a beleza e a arte como qualidades principais em sua vida. Gostou de outra, trocando  cultura, posição e riqueza por simplicidade e beleza de outra pessoa. Uma costureira.
Desfaleci e Marita me amparou. Nem coragem de vir me contar, teve.
Acho que vou morrer! Não acredito em mais ninguém!
                                  

Após ler tantas folhas espaçadas e interrompidas por minhas atividades, comovo-me e choro, percebendo que o diário de Valéria  mexeu comigo, fazendo um diário na minha vida também, levando alguns meses para sua leitura.

Guardei-o amorosamente em minha gaveta. E, meses mais tarde, folheei-o, vendo uma página solta, escrita às pressas, pelas poucas palavras e entusiasmo.

São Paulo, o2 de abril de 2013, 8,00h
Meu diário, estou me despedindo, virando sua última página em minha vida. Após o rompimento com Alfredo, sofri uma grande depressão, pensando em acabar com tudo. Felizmente, fui salva por meu médico que me encaminhou a um serviço voluntário com crianças doentes. Conheci Roberto, um médico pediatra.  Apaixonamo-nos e devo casar em breve. Minha lua de mel será nos Estados Unidos! Encontrei novamente a  felicidade. Adeus!




O fio. - Amora


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O fio.
Amora

 Pessoas passam por nossa existência, deixando vários tipos de marcas! Boas ou más! Prefiro recordar as boas.

 Tenho setenta e quatro anos e, acho a vida muito rápida, percebo agora.  É curta demais! Gostaria de ter feito mais coisas.

Alguns conhecidos foram importantes, mudaram meus caminhos, outros, deixaram lembranças, sem muito significado.

Recordo-me de todos. Não memorizo muito os nomes, mas rostos são difíceis de esquecer.

Uma colega de escola, no Bairro do Limão, minha primeira classe causou-me profunda impressão. Dela, lembro-me do rosto simpático e do nome: Claudete Barbosa Hirsh.

Eu era muito tímida, recém-casada, tive dificuldades de relacionamento. Grande número de professores e diretor bravo e exigente.

Ela me procurou com delicadeza, orientou-me, tornando-se grande amiga. Devo-lhe muita compreensão, bondade e colocação no ambiente escolar.

Mais tarde, soube que nossos maridos eram colegas de profissão, conheciam-se e, ela, também professora de evangelização espírita, dizendo sempre que havia um fio espiritual entre nós. Uma ligação. Eu ria, não acreditava muito, mas respeitava sua crença.

Quando pedi demissão dessa escola, despedimos-nos com tristeza. Sem eu saber, continuou acompanhando minha vida, mesmo sem nos vermos.

Anos mais tarde, por necessidades financeiras, precisei voltar a trabalhar e, espantada, recebo um telefonema de Claudete, preocupada, informando-me que haveria um novo concurso na prefeitura e que eu poderia prestar. Pergunto-lhe como sabia de minha situação e ela responde rindo: é o fio, lembra-se?

Inscrevi-me, prestei o concurso, passei, reiniciando como professora em Guaianazes, às sete horas da manhã. Fui me removendo aos poucos, até a aposentadoria, no Bairro da Casa Verde.

Devo, atualmente, minha posição, ao trabalho na prefeitura, e, meu retorno à carreira de professora, a essa amiga que nem sabe o bem que me causou!

Pessoas passam pela nossa vida e, felizmente, deixam marcas suaves de solidariedade e amor ao próximo! Nem percebem!

RECORDAÇÕES - Hirtis Lazarin

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RECORDAÇÕES
Hirtis Lazarin

          O porão de casa estava abarrotado de caixas com tudo que você possa imaginar.  Caixas com livros que já li, caixas com livros que pretendo ler, com fotos que só pararam de crescer por conta da tecnologia que as guarda nas nuvens.  E a maior e a mais pesada de todas, a que abriga o  "GOOGLE" de antigamente, as famosas enciclopédias.

          Mexendo aqui e acolá, descobri no meio de uma pilha de revistas antigas, encostadas num armário, algo me chamou a atenção.  Era um antigo diário.  Lembro-me bem.  Comecei a escrever aos treze anos e só parei aos vinte  quando, então, me casei.  Confesso, emocionei-me a ponto de não ter vergonha de chorar.  Estava amarelado, judiado por tantas viagens que já fizera.  Não sei como ainda existia.

           Representava  um pedacinho da minha vida.  Um período em que tínhamos horário pra voltar pra casa e obedecíamos sem nenhum drama, coisas bobas não nos frustravam, não precisávamos beber nem se drogar pra vida ter graça e beleza.  Alimentação saudável? Comíamos de tudo, ninguém tinha excesso de peso e nem conhecíamos a palavra celulite.

          Ter um diário era o mesmo que ter um amigo confiabilíssimo.  Nele a gente registrava o que  queria, ele ouvia silencioso e não opinava.  Aceitava-nos do jeitinho que a gente era.

          Dei uma folheada cuidadosa pra não danificá-lo.

         Vou ler pra você e pra mim também uma das páginas iniciais.  Já se foram tantos anos...

           "Meu querido diário, acho que você já se cansou de ouvir sempre as mesmas reclamações:  que eu não gosto de ser tão magra, de ter pernas finas e compridas e que meu corpo franzino dança dentro de uma calça de cintura baixa e boca de sino.  É que eu me acho bem parecida com a "Olívia Palito namorada do Popeye".  Ela teve sorte de arrumar um namorado".

               Virei várias  folhas e a página dez chamou-me a atenção.  O desenho de dois corações que se cruzavam pintados de vermelho paixão.

          "Meu diário querido, estou feliz e tenho duas coisas pra  contar:  a primeira é que o meu corpo está mudando. Minhas formas estão se arredondando e já preenchem aquela calça comprida que eu odiava usar.  Está na moda e minhas amigas usam...  Estou vestindo meu primeiro soutien. É lindo, branco de rendinhas.   Minhas amigas já se cansaram de tanto usar e eu só tinha no peito duas jabuticabas insignificantes.
          A segunda coisa é um segredo secretíssimo.  Sabe o Celso, aquele garoto que, às vezes, vem estudar português comigo e que já fizemos algumas coisas juntos?  Tomar sorvete no bar do Dante, comprar sonho na padaria do Biscaro, andar de bicicleta.  Lembra?  Fiz até greve de fome pra ganhar minha Caloi Ceci...
           Quando ele vai embora, sinto sua falta.  Gostaria que ficasse mais tempo comigo.  Fecho os olhos, inspiro e até sinto o cheiro dele.  Quando sua mão toca-me sem querer,  vem um  friozinho delicioso.  Se  conversa com outras meninas, tenho raiva e falta de ar.  Ando imaginando cada coisa...  Vejo-me abraçada a ele, passando a mão no seu rosto, sorrindo aquele "sorriso-coração-sai-pulando".  Escuto até as batidas descompassadas do meu coração.  E aí vem uma vontade enorme de juntar minha boca na boca dele, sentir o gosto de sua saliva, esquecer-me de tudo presa naqueles braços fortes.
          Sabe diário, tô atormentada porque essa coisa tá aumentando a cada dia.  Não sei o que fazer.  Será que  tô  apaixonada?  Só sei que é uma sensação deliciosa. Quando eu souber, conto pra você.  Meu Deus, já é meia-noite.  Escutei os passos arrastando chinelos do meu pai.  Ele viu minhas luzes acessas. Vem bronca na certa. Tchau".


          É gente, a vida é  uma viagem num trem bala.  Curta pra uns, mais longa pra outros.  Uma viagem em que almas se encontram, se esbarram, se unem, se esquecem.  A vida é o nosso maior presente.  Ela nos chega em pequenos pacotes, ora embrulhados com brilho, ora manchados de lágrimas.

Lealdade e fidelidade andam juntas? - Amora


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Lealdade e fidelidade andam juntas?
Amora

Antonio e Gustavo, amigos leais, desde crianças, eram fiéis a um desejo comum: tornarem-se independentes.

Trabalhavam juntos numa grande fábrica de automóveis como mecânicos, cultivando ambos o sonho de serem autônomos, montando a própria oficina.

Quando estão quase conseguindo realizá-lo, Antonio, ótimo funcionário da empresa, é chamado pelo chefe para administrar e ensinar funcionários novos, jovens que desconheciam o trabalho.

Para isso, teria um cargo mais alto, com salário equivalente.

Fica radiante e lisonjeado com a oferta. Resolve aceitá-la.

Gustavo, decepcionado, bem agora que iriam realizar o sonho tão desejado, fica sem ação, entristecido com a falta do provável sócio, leal companheiro.

Antonio percebendo a mágoa do amigo e não querendo descumprir o compromisso feito, deixando de ser fiel,  desiste da nova promoção e mantém sua palavra.

Cumpre a promessa feita ao leal companheiro de tantos anos e sonhos. E assim, Antonio e Gustavo montam “Martelinho de ouro” , oficina tão conhecida hoje em dia!


Esse é um caso de lealdade a um amigo e fidelidade ao sonho de ambos, que caminham juntas!

O amigo fiel! - Amora



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O amigo fiel!
Amora

Lúcia, mulher bonita e voluntariosa, exigia muito dos seus amigos. Era muito atraente, sedutora, sempre encontrando quem a amparasse nos momentos difíceis.

Na ocasião narrada, possuía um amigo fiel, bajulador, acompanhando-a aonde quisesse e realizando suas vontades impertinentes. Não sabia lhe dizer não. Chamava-se João.

Casada com Roberto, marido apaixonado, cansava-se dele, às vezes, pensando em interessar-se por outra pessoa, como diversão. Era muito volúvel!

Numa festa, conhece Álvaro, um jornalista proeminente, de fala jovial, simpático, meio poeta. Tendências a orador.

Sente-se logo atraída por ele, convidando João a acompanhá-la em todas as reuniões em que Álvaro estava presente.

Sem saber que era uma mulher casada, o garboso jornalista interessa-se por Lúcia, marcando vários encontros.

Nasce um relacionamento entre eles, servindo o amigo fiel, João, de escudo para a infiel sedutora.

Roberto começa a estranhar um pouco o comportamento da mulher e, incentivado por um amigo, resolve mandar segui-la.

O detetive em questão, vendo-a sempre acompanhada por João, desconfia dele como o amante da mulher.

O marido ciumento, sabendo que João era um amigo de longa data, resolve segui-los até um quarto de hotel, quando os vê entrar juntos.

Entra também e bate apressadamente na porta, já esperando o pior. João, que sempre a esperava no quarto ao lado, vê Roberto pelo olho mágico e avisa Lúcia para se esconder. Rapidamente, deita na cama em seu lugar, ficando ao lado de Álvaro que se surpreende com isso mas fica quieto.

Roberto entra abrindo a porta com um empurrão e, espantado, dá com João ao lado de Álvaro, sem compreender direito.

Envergonhado, surpreso, percebe que Lúcia é que escondia a verdade do amigo, coisa que nunca soube e esperava encontrar.

Vai embora, desculpando-se, encontrando a mulher pelo caminho, arrependido do que fizera. Esta, magoada, finge proteger seu amigo do que ninguém sabia com vergonha que descobrissem.

Esse sim foi um caso de amigo leal, passando por gay quando não era, só para salvar uma amiga, Lúcia, em apuros!


O que não consegue uma mulher quando cisma de compartilhar o mal feito com alguém. Usa de todos seus artifícios e argumentos para esconder a verdade.

UMA NOITE NUM VAGÃO VAZIO.- Do Carmo

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UMA NOITE NUM VAGÃO VAZIO.
Do Carmo



Oh! Meu Deus, onde estou? Será que sonho?

Não, acabo de acordar!                

Como vim parar neste vagão vazio? Estou no metro?

Sim, agora começo a lembrar-me, mas que horas são? Ah, quatro horas e cinqüenta minutos da madrugada! Logo o metro volta a circular, começa as cinco ou seis horas?

O que vou fazer. As portas estão fechadas, também não sei onde é o terminal do trem. E o meu carro, quanto irei pagar de extra pela noite.
Que maçada! Quantas perguntas e nenhuma resposta.

Recordo que quando embarquei, o vagão estava lotado, foi um jovem que cedeu seu lugar para eu sentar-me, diga-se de passagem, um gatinho, mas muito jovem.

Estava exausta, devo ter adormecido e não percebi que todos os passageiros foram descendo, as estações chegando ao fim e eu dormindo.

Ouço vozes se aproximando, vou fingir que estou dormindo, estão mexendo no meu braço, dizendo, acorda, senhora, acorda, o dia já clareou. Vou encenar um acordar de donzela assustada. Ufa! Eles acreditaram na minha performance, foram até buscar um cafezinho para mim.

Na realidade, eu fiz mais cena de amedrontada, do que senti ao perceber-me sozinha num vagão vazio de metrô, sem saber onde estava, com pouca iluminação e escuridão total do lado de fora.

 Finalmente as luzes foram acesas, a voz misteriosa da gravação da cabine deseja bom dia a todos, que no caso, sou só eu, soa um sinal e a composição começa a mover-se.
 Respiro aliviada.




Um mapa científico de previsões - Suzana da Cunha Lima


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Um mapa científico de previsões
Suzana da Cunha Lima

Toda minha família gosta de cartomantes, videntes, horóscopos, qualquer coisa que remeta ao imponderável, à fantasia e ao não conhecido.

Não pautamos nossa vida por estas previsões,  mas é claro que  prestamos muita atenção às coisas boas: você vai fazer uma viagem, vão lhe pagar aquela dívida, seu chefe a admira, logo vem uma promoção e, por último e mais desejado, seu amor vai retornar.

As situações tratadas são sempre situações de vida, que ocorrem praticamente com qualquer um e todo bom vidente nos presenteia com uma quota razoável de fatos positivos. E com isso emitimos uma boa energia positiva, levando o Universo a conspirar com a gente.

Claro, a tal viagem pode ser ali, para Ubatuba, a dívida se referir ao adiantamento para conserto do carro de uma amiga, meu chefe pode estar me admirando por razões que nada tem a ver com competência e a promoção fazer parte do meu plano de carreira.  Não importa, notícia boa nos deixa alegre e geralmente  flutuamos de felicidade  diante da possibilidade de um antigo amor nos querer de volta, mesmo que ele tenha sido um bom malandro.

O importante nestas consultas, é sairmos alegres e com a certeza que o mundo é um lugar bacana para se viver.

Fui a muitos desses profissionais e guardo boas recordações, algumas até hilárias,  destes encontros.  Só para constar, o último era um psicólogo formado, homem sério, de uns quarenta anos, de pouco riso e nenhuma interação com seus consulentes. Mas tinha fama de alta porcentagem de acertos e resolvi experimentar. Levei uma fita para gravar a consulta e toda vez que o interrompia para perguntar algo, ele parava de gravar, meio aborrecido e respondia bem secamente.  Claro que não gostei, mas o homem era bem recomendado, eu já estava lá e tinha pago, então resolvi ficar até o fim.

Ele teve notáveis acertos sobre  minha infância e mocidade, meu temperamento e até de meu casamento. Ou eu sou um livro aberto, ou minha vida é muito comum, ou eu “ajeitava” sua fala às minhas experiências passadas, para não perder o crédito e continuar acreditando.  No final, preparou um mapa chinês ou japonês, não me lembro, me informando que aquela hora de falação estava toda ali.  Qualquer um que soubesse interpretar o mapa, diria sempre as mesmas coisas. Era científico.

Mas o que me chamou  a atenção, na verdade, foram duas coisas que ele asseverou que iam acontecer comigo:

- 1) Que eu, quando estivesse com cinquenta, sessenta anos, ia ter um “boom” na vida, ia ser reconhecida e admirada internacionalmente. Estou esperando este “boom” até agora e já passei um bocado dos sessenta.

2) - Outra coisa que soaria mal para pessoas impressionáveis:  lá pelos meus oitenta e dois anos, (com esta precisão), ele não via mais sinais de vida no meu mapa.


 Esta previsão vou ter que aguardar para conferir. Ainda falta um pouquinho.

O caracol e a borboleta. - Hirtis Lazarin

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