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domingo, 26 de março de 2017

Uma Vida em um Quadro - Rejane Martins


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Uma Vida em um Quadro
Rejane Martins

Tornar-me a guardiã dos objetos guardados por tantos anos pela minha mãe foi um privilégio, apesar de que não haver disputa pela incumbência sinto um grande apreço pela designação.

Dentre todos os objetos há uma foto especial. No altar da Igreja Matriz Velha em São Caetano toda a família se reuniu para imortalizar as Bodas de Ouro de meus avós maternos. Imagino o trabalho hercúleo do fotógrafo para enquadrar os filhos, genros, noras, netos e bisnetos em torno daquele casal velhinho e orgulhoso.  

 Sempre que manuseava aquela foto, sentia o poder que ela tinha de congelar, somente em um clique, toda uma história. Ali está retratada uma vida de lutas, vitórias, decepções, angústias e recompensas.

 A aura da imagem é tão intensa que mesmo aqueles que já pertencem ao espaço saudades, continuam transmitindo uma energia vibrante não só daquele momento, mas do seu legado, e por um instante esquecemos o vazio imposto pela sua ausência e sentimos a alegria presente em cada rosto.

Há alguns anos presenteei minha mãe com uma ampliação desta fotografia que era tão cara para ela. O trabalho de ampliação revelou algo ainda mais surpreendente, cada coadjuvante retratado ali tornou-se um protagonista. Ficamos por um longo tempo relembrando de todos personagens e suas esquisitices, no final o saudosismo tomou conta de todos nós. Ainda me lembro das lágrimas que furtivamente teimavam em escorrer dos olhos dela.

Naquele momento percebi o tesouro que aquele objeto representava, não era apenas uma foto que marcava um evento, era toda uma história envolvendo muitas pessoas, e cada uma delas doou um quinhão de responsabilidade para que este objeto se tornasse tão precioso.


O original e a ampliação que revela a grandiosidade e o magnetismo sempre presente naquela grande família, são de tempos em tempos resgatados de seu esconderijo, pois não me permito esquecer a história nem as raízes estabelecidas por aqueles dois jovens anciãos, que se acabaram de se casar novamente.

Amor à Primeira Vista - Rejane Martins


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Amor à Primeira Vista
Rejane Martins

Era o primeiro carnaval de Otávio longe de sua terra natal. Aquele domingo estava mais pasmacento que o normal. O calor era insuportável e a ausência de transeuntes promovia ainda mais a morosidade daquele triste e enfadonho dia que insistentemente não terminava.

Otávio decidiu gastar algumas de suas horas ociosas no jardim de sua senhoria Dona Eulália, que cuidava com muito esmero de seu precioso tesouro vivo, como ela mesma o definia.

Recolheria as folhas caídas, libertaria cada flor de suas pétalas mortas, se ocuparia de qualquer serviço para não sentir aquele vazio na alma.

Estava tão absorto em seu trabalho de jardineiro que quase passou despercebido aquele rosto angelical emoldurado pelas viçosas rosas do jardim.
A visão dos cabelos negros depositados sobre os ombros desnudos era uma obra de arte que não devia nada aos grandes pintores renascentistas.

Se contrapondo ao dia sem cor e brilho de Otávio, aquela moça ostentava dois grandes olhos brilhantes e sagazes, que beirava ao desrespeito pela sua dor devido a solidão.

Pensou duas vezes antes de se aproximar e tentar conhecê-la. O medo foi mais forte e acovardou o interiorano, obrigando-o a recuar.

Agachou-se tentando se esconder e ao mesmo tempo espreitar aquela imagem que preencheu seus pensamentos. Percorreu o jardim, feriu-se várias vezes, até que se sentindo um tanto quanto boboca, decidiu se apresentar e iniciar uma conversa descompromissada.

Aprumou-se, retirou o espinho que alojara-se em seu braço, alinhou a roupa. E só quando em posição ereta olhou para frente, viu aquela deusa se afastar com seu colega de quarto Mateus. A cada passo dado, além de aumentar a distância, provoca um novo e mais forte aperto no coração.

Hoje após tantos anos passados, Otávio ainda não sabe nem o nome dela, não teve coragem de tocar no assunto com Mateus, temia que a realidade o decepcionasse, preferiu alimentar a doce ilusão que o acompanhou por toda a vida. Junto com os netos adolescentes, Otávio faz questão de frisar sempre que eles acreditem em amor à primeira vista, e que ele é testemunha viva desta teoria, afinal ele se apaixonou por uma mulher cuja a perfeição era o seu maior atributo.


Foi Traição? - Rejane Martins


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Foi Traição?
Rejane Martins

Conhecera Ricardo há um ano, durante a viagem para Lençóis Maranhenses. Os dois adquiriram o pacote turístico na mesma agência.

Já na sala de embarque do aeroporto de São Paulo, Rosana e Ricardo trocaram olhares insistentemente. Aquele elegante homem, alto com porte atlético, destacava-se na multidão alvoroçada com as férias.

Durante toda a viagem, o casal não se largava. Coitada da Aninha, sua amiga de viagem, precisou se integrar com outro grupo para não ficar sozinha. Para eles aquele lugar deslumbrante tornou-se mais paradisíaco que nunca. Tudo era magico e estonteante, foram dez dias pisando nas nuvens.

Rosana sentia-se outra pessoa quando regressou a São Paulo. Aninha tentava colocar seus pés no chão dizendo que ele não ligaria, que aquilo foi um amor de verão. Um homem daquele jamais estaria dando sopa nos dias de hoje. Era enfática ao aconselhar a esquecê-lo, esta era a única maneira de não sofrer. Pensar nele como uma boa companhia de uma viagem dos sonhos.

Contrariando todas as previsões Ricardo precisou de dois dias para colocar o sono em dia, assim que acordou ligou para marcar um encontro, já estava com saudades.

Casamento com data marcada, os preparativos exigiam da noiva toda sua atenção. Afinal ela queria que tudo estivesse perfeito naquele que seria o dia mais importante de sua vida.

Rosana e Aninha, aliás a principal madrinha, tiraram o dia para visitar a floricultura que ornamentará a igreja. De repente Aninha ficou nervosa e queria sair dali a qualquer custo, sem nenhuma explicação e sem ter visto ao menos uma planta. Não conseguia esconder seu desconforto.

Foi quando Rosana virou-se e seus olhos focaram Ricardo carregando uma linda menina colo, acompanhado de uma mulher elegante e atraente. Ele passava as costas de sua mão no rosto dela. Ela aceitava o carinho com um sorriso, e logo retribuía lhe com outro toque.

Sem conseguir pronunciar uma só palavra, com os olhos marejados Rosana aproximou-se da feliz família. Ricardo assustou-se e logo dirigiu o olhar para o chão, não tinha coragem para encará-la. Rosana saiu às pressas seguida pela preocupada Aninha, que recebeu a incumbência de cancelar todas as providências do enlace.


Rosana naquela noite, no escuro de seu quarto, decidiu realizar um antigo sonho, aprender inglês em Londres. Hoje ela tem consciência de que a decisão tomada foi fuga, mas o mais engraçado é que ela nunca saberá se aquilo foi traição mesmo.

Presentes Eternos - Rejane Martins

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Presentes Eternos
Rejane Martins

Durante anos fui presenteada com  objetos manufaturados por meu filho na escola.

Em cada evento que participava, precisava segurar as lágrimas ao abrir os pacotes. Eram sempre muito significativos para mim. Camisetas “sujas” com tintas coloridas que revelavam as impressões digitais das mãozinhas espalmadas por todo o tecido, ou ainda a inédita foto com um rosto sapeca tirada às escondidas. Na canga tingida no barbante, era inegável a exposição de sua identidade na escolha das cores.

Como usar esses objetos, são obras de arte confeccionadas especialmente para mim. Tudo ali foi pensado com a mente mais pura de uma criança, era declaração de amor mais verdadeira que alguém poderia fazer. Como ignorar toda aquela expressão de criatividade daquele pequeno ser. Mesmo sem dominar o idioma ou se utilizar de figuras de linguagem, criou um texto embasado no mais genuíno sentimento de amor em cada gesto, em cada cor, em cada expressão.

São objetos de valor inestimável, e representam toda a recompensa de um trabalho integral e desprendido. Sei que este legado no futuro não estimulará o interesse de ninguém, mas para mim é um tesouro precioso que merece toda minha reverencia.

Como não considerar cada um deles um artesanato exclusivo, apesar de cada mãe ter recebido uma obra de arte semelhante, acredito que todas avaliam o valor pessoal igual ao meu.

Nenhum presente que agrega valor monetário competirá com estes, por isso guardo-os com muito carinho, inclusive no coração para todo o meu sempre.


Quem era ela? - Hirtis Lazarin

  Quem era ela? Hirtis Lazarin     A rua já estava quase deserta. Já se ouvia o cri-cri-lar dos grilos. A lua iluminava só um tantin...