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quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Mistério do céu - Ana Catarina SantAnna Maues


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Mistério do céu
Ana Catarina SantAnna Maues

   Na cozinha um grande alvoroço. As mulheres da família preparavam quitutes para a festa de logo mais a noite. Do quarto escutavam-se as gargalhadas, comentários sobre os fatos do ano que chegava ao fim. São elas minha mãe, irmãs e algumas tias. Agem com indiferença ao esforço que faço. O vestibular se aproxima  e mesmo hoje estou estudando, lendo e relendo os resumos feitos das pilhas de livros que manuseei. Desisto! O barulho é maior do que consigo aguentar. Saio sem avisar. Bato a porta com rebeldia. Quem sabe caminhar molhando os pés no mar alivie a tensão.

   De casa até a praia encontro automóveis, ciclistas, pedestres num indo e vindo eufórico. Do meu ponto de vista todos estão loucos. Amanhã será um dia comum, com um dígito a mais no ano, apenas isso.

   Na areia poucos aproveitam os últimos raios do sol de dois mil e cinco. Olho os rochedos ao longe e vou até eles, meu cantinho preferido. De repente observo que alguém jogou alguma coisa. Água  e  rocha brincam, uma traz a outra devolve. Interrompo o jogo. Trata-se de uma garrafa, com algo dentro. Curioso, tiro a rolha, leio um pedido de socorro, constato que o bilhete tem a data de hoje, trinta e um de dezembro de dois mil e cinco. Alguém acabou de lança-la ao mar.      

    Olho em volta procurando alguém, subo com dificuldade as pedras afiadas, quero chegar num ponto mais alto.  Do outro lado afasta-se caminhando de cabeça baixa uma moça. Só pode ter sido ela a autora do bilhete. Atravesso as pedras, desço depressa, quero alcança-la. Grito pedindo que pare. Ela vira-se. Tem os olhos inchados de tanto chorar. Mostro o bilhete, pergunto se é seu. Ela confirma. Sem cerimônia me dá um abraço.

   A noite cai rapidamente, e nos dois ali, abraçados em silêncio.

  Já mais calma pergunto o que significa  tudo isso, a garrafa, o bilhete, as lágrimas e ela finalmente fala:

   Sou visitante aqui. Vim estudar, conhecer, familiarizar-me com a cultura. Hoje devo retornar e estou triste. Aqui há beleza, pureza, diversidade, cor, luz, calor frio. A natureza exuberante enternece meus sentidos. Contemplaria por toda eternidade lugar assim. Ninguém pode ajudar-me. O bilhete foi meu grito preso na garganta. Fiz um acordo, não há como descumprir, mesmo porque se ficar amanhã serei cinzas. Fui programada para sobreviver por um ano. Vou embora com mala cheia, mas não se preocupe, não estou referindo ao que pertence a vocês, daqui sou proibida de levar um simples grão de areia. Falo da minha mente , extasiada com a beleza do planeta azul.
   Quando parou a narração, olhei pro céu e vi uma luz aproximando-se. Veio descendo lentamente, de repente não a senti mais em meus braços. Olhei e vi que estava desaparecendo, como que microdissolvendo-se em partículas sugadas pela luz sobre nós. Quando deixou de existir a luz alcançou velocidade e sumiu no horizonte.


   Voltei pra casa, não contei a ninguém o sucedido. Nunca mais olhei pro céu como antes.

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