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quinta-feira, 27 de abril de 2017

Coelhinho Digital - Rejane Martins


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Coelhinho Digital
Rejane Martins

Maria Rita sempre preservou as ilusões doadas pelas lendas infantis, que promovem a felicidade da criançada.

Na mais tenra idade de sua filha Beatriz, ela se incumbia juntamente com a menina de no sábado de aleluia à noite, preparar um ninho para o coelho da páscoa.

Fazia questão de alertar que era imprescindível abastecer com uma cenoura e água, o suficiente para que o coelho, então um animal muito cansado de tanto trabalhar, pudesse restabelecer suas forças e assim cumprir sua missão e atender a todas as crianças naquela noite.

Assim que Bia pegava no sono, Maria Rita mordiscava a cenoura, e deixava um pedaço cheio de marcas de dentes jogadas no ninho, a água era despejada na pia e o pote colocado displicentemente no local. Mas no lugar mais importante do ninho o Ovo de Chocolate imperava, esperando pelas mãozinhas que logo acabariam com toda aquela imponência.

Bia adorava todo aquele ritual, acreditava piamente na sua existência assim como a do Papai Noel, era gratificante para sua mãe ver os olhinhos brilhando quando indagava se ela tinha visto o coelhinho entrar em sua casa.

Quando Bia já estava alfabetizada, a mãe decidiu que chegara o momento da elaboração uma gincana.  Espalhou pela casa várias pistas, cada uma encontrada  indicava o local da próxima, até o “gran finale” que era uma cesta com o ovo de chocolate e uma carta do Coelhinho da Páscoa endereçada especialmente para a garota.

A manhã daquele domingo foi especial para todos na casa. Empenhados em decifrar as pistas,  todos corriam para o local da próxima e se divertiam com a brincadeira.

Ao final, Beatriz abriu a carta leu o texto, que sem sombra de dúvida fora escrito pelo representante da Páscoa, pois estava assinada com sua patinha direita.

Terminada a leitura, a menina meio desapontada, virou-se para seus pais e comentou:


— Como poderei agradecer, ele esqueceu de anotar o seu e-mail na carta.    

Enorme é a falta que você me faz - Hirtis Larazarin

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Enorme é a falta que você me faz
Hirtis Larazarin

            Meu coração era um bloco de gelo, envolto numa armadura medieval pra me proteger desse mundo que eu conhecia bem.   Foram anos e anos juntando pedacinhos metálicos.

          Até que, numa tarde qualquer, eu saia  do Mappin, atravessava apressadamente o viaduto do Chá pendurada de sacolas,  silencioso feito um gato pronto pra abocanhar sua presa, alguém aproximou-se de mim e apoderou-se de minhas compras.

          Eu me virei e já ia gritar quando vi um homem vestindo terno e gravata, com um sorriso aberto e espontâneo, como se já nos conhecêssemos.  Comunicativo e falante.

           Não resisti a sua voz tipo FM e a tanta simpatia.  Caminhamos juntos até o ponto de ônibus.

          Por momentos até me esqueci que estava atrasada pro trabalho, que minha conta bancária estava zerada, que eu fugia dos homens e por aí vai...

          Posso afirmar, hoje, que foi ali no viaduto que tudo começou entre nós.  Eu que me achava imune aos ataques masculinos.

           A  cada telefonema, a cada encontro, meu coração disparava mais e mais e tropeçava de tanta emoção.  Senti medo, não sabia onde isso ia parar.  Foi então que  me deixei levar e aprendi:  na alma a gente não manda, ela fica onde se encanta.

           E assim, leve e solta,  encaixei-me no seu cheiro.  Depois minha boca encaixou-se na sua boca e num piscar de olhos, nossos corpos se encaixaram. Não tinha mais jeito: nossas vidas estavam seladas.

          Sabemos todos que o tempo assopra e apaga o fogo da paixão, mas se o sentimento é verdadeiro vem o amor, a amizade e o respeito.  E é no dia-a-dia, quando a rotina se instala, que veem à tona qualidades e defeitos.  E com a gente não foi diferente.

          Mas foi nesse período que nasceu em mim admiração profunda por esse homem.  Aprendi valores que me eram despercebidos.

          O desapego aos bens materiais, ao supérfluo, numa sociedade consumista e egoísta tornava-o um homem livre.  Tinha controle sobre o que comprava e não se deixava possuir pelo que possuía.  Não colocava a felicidade nas coisas nem nas contas bancárias.

         Ao desapego juntava-se a simplicidade.  Aprendi que a simplicidade não é ignorante.  Ela valoriza o essencial e o essencial não é visível aos olhos.
          O essencial é a cama quentinha onde dormimos todas as noites, o cafezinho de manhã

coado na hora, a água limpa da pia, o orvalho que acaricia a flor, a cor colorida do amor.

          Era dono da alma mais generosa que já conheci.  Fazia coisas não por obrigação, mas pra deixar o outro um pouquinho mais feliz.  Não economizava adjetivos para um elogio sincero, seu abraço era apertado, seu bom dia era verdadeiro.  Eu me perguntava: como alguém  pode acordar sempre feliz, mesmo tendo tantos problemas pra resolver?

          Reconhecia o poder e o valor das mulheres. Fez de mim sua princesa.

          Foi embora cedo demais.  Às vezes, sinto sua presença e até seu cheiro.  Agradeço a Deus ter convivido com ele.   E só me resta, fazer-lhe uma oração;

        

Justiça ou Misericórdia - Ana Catarina SantAnna Maues

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Justiça ou Misericórdia
Ana Catarina SantAnna Maues

      Pessoas entram e saem de nosso convívio a todo tempo, acontecendo isto de forma natural ou traumática. Para algumas, damos graças e aleluia, quando vislumbramos a possibilidade de perder o contato em definitivo com elas, já outras,  aquelas que funcionam como bálsamo em nossas vidas, fazemos questão de tê-las por perto, basta a proximidade e já tem alento o coração, mas isto não é garantia de que nunca as perderemos.

      Presenciei um episódio curioso, com relação e este assunto, envolvendo três personagens, Camila, Sara e Bernadeth, adolescentes com personalidades bem distintas, colegas da mesma sala de aula.

Tudo ocorreu numa tarde quente em que iríamos prestar o exame final do colégio.  Lembro que Camila chegou esbaforida, com a blusa colada no corpo de tanto suor. Aluna nada aplicada, precisava de nota azul ou repetiria o ano. Chegou ansiosa, seus olhos caçavam Sara que bem quietinha no seu canto, aguardava o momento do professor chegar com as provas. Chegou ao pé do ouvido da colega, cochichou qualquer coisa e sentou-se ao lado. Bernadeth observava de longe e veio imediatamente ter com Sara, indagar  sobre o segredinho, que  sem maldar revelou. Bernadeth na mesma hora foi até a frente dos demais colegas  e iniciou um discurso:

— Amigos, todos aqui estão prestes a realizar o exame final. Estudamos  muito, pois temos noção de quanto o conhecimento é importante. Queremos ser pessoas de bem, melhores para nós mesmos, para nossas famílias e para o mundo. Os que não forem cursar universidade,  logo logo enfrentarão o mercado de trabalho. Temos que ser capazes por nós mesmos. Estou falando isto porque quero dividir com vocês algo que está para acontecer novamente aqui na sala. Camila quer que Sara responda as questões da prova por ela. Isto aconteceu  o ano todo, vem despreparada e sempre se encosta em alguém. Coloco aqui pra turma decidir, vamos novamente fazer vista grossa?  E voltando-se pra Camila continua. Faço isto pro seu bem colega, quero que seja responsável pelos seus atos, quero que aprenda de uma vez por todas a não fazer pouco caso de coisas sérias. Temos a mesma idade, se fomos capazes de aprender a matéria por que você não foi? Seu comportamento parasita incomoda

    Neste instante o burburinho foi geral com todos  entreolhando-se e balbuciando uns com os outros. Camila olhava fuzilando Sara e Bernadeth. Sara por sua vez, com os olhos esbugalhados, fitava a eloquente oradora. A confusão formada, um alvoroço colossal e entra na sala o professor. Camila levanta da cadeira e indo encontrar com ele participa que não fará a prova naquele dia. Sara por sua vez levanta também, e solidária com a colega, informa a mesma decisão.


      Não sei dizer se Camila entendeu o valoroso conselho que recebera, por isso não fez a prova no dia,  ou se  ficou  foi com muita raiva de tudo aquilo. Também não sei informar se  colou de Sara na prova substitutiva ou se manteve a amizade com ela e Bernadeth. Fui um mero espectador do inusitado fato. Vez por outra lembro e reflito, terá sido  Camila o bandido da estória,  qual a conduta mais  correta, Sara com sua misericórdia ou Bernadeth em sua justiça. Com o tempo formei opinião, e não exporei aqui, evitando influenciar o leitor, prefiro que cada um avalie e faça seu julgamento.

SEGREDINHOS INOCENTES - Do Carmo


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SEGREDINHOS INOCENTES
Do Carmo


Na época em que eu estava na adolescência, era muito comum a garota ter um “Diário Secreto”, onde confessava seus flertes, seus inocentes amores e sonhos românticos. Comigo não foi diferente.

Sempre gostei de escrever e ter essa oportunidade de relatar meus devaneios juvenis, foi uma maravilha.

Todas as noites, ao recolher-me em meu quarto,  pegava meu Diário  que era como um caderno, porém com a capa da frente almofadada e colorida com a inscrição em letras douradas – MEU DIÁRIO -.

Eu o mantinha em máxima segurança, bem escondido no meio de minhas roupas de dormir, ninguém mexia nessa gaveta, pois mamãe nos ensinou, minha irmã e eu, desde pequenas a cuidar de nossas coisas. Ela sempre supervisionava, mas nunca vasculhava, então, meus segredos estavam a salvo.

Porem certa vez, uma amiga de minha irmã, veio passar férias em casa, que  muito atrevida, bisbilhotou em meu guarda roupas, sem consulta a amiga.

Ah! Yeow! Uau! Que surpresa ao abrir minha gaveta para pegar meu querido Diário! Meus pijamas estavam todos revirados e meu precioso amigo bem a vista e aberto, com algumas folhas amassadas.

Atônita, comecei a chorar. Minha irmã, também com olhos molhados de remorso, veio ao meu quarto e abraçando-me ternamente pediu desculpas pelo atrevimento de sua amiga. Disse-me muito comovida que a proibira de comentar sobre o que havia lido, com a promessa de revelar aos seus pais o verdadeiro motivo do rompimento da amizade tão antiga.

Envergonhada e sinceramente arrependida, desculpou-se e prometeu que sequer pensaria no que havia lido. Disse também que essa sua atitude abusiva, serviu para que ela revisse seu comportamento. Não romper a amizade.

Aliviada com o desfecho desse episódio, comentei vagamente, com minha irmã e minha mãe, o que eu mantinha em segredo.

Pelos olhares que elas trocaram, senti que o fato de relatar meus dias, para nunca esquecer o quanto foi feliz minha juventude, colocou um ponto final amigável no assunto.


Felizmente, tudo o que eu senti e vivi na adolescência, somente a mim continua pertencendo.

MINHA AFLIÇÃO - Do Carmo


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MINHA AFLIÇÃO
Do Carmo



Finalmente encontrei o que tanto procurava: meu diário de adolescente.

Jamais poderia imaginar que estivesse em lugar tão óbvio, tão fácil de ser encontrado, tanto que hoje, casualmente o encontrei. Para minha felicidade  fui eu que encontrei, poderia ser qualquer pessoa daqui de casa. Ufa! Que sufoco!

Pensando bem, até que na estante de livros do escritório de meu marido, não seria um esconderijo seguro, mesmo nunca esses livros são consultados.

Agora, depois do mar revolto de pensamentos, que meu coração passa,  por tê-lo encontrado tão à vista, de inquieto torna-se nostálgico.

Folhei-o e a garota de dezesseis anos, toma conta desta senhora, revive momentos de floridas alegrias, românticos encontros, amorosos passeios, bem como, festas e bailes, ardentemente esperados e sonhados mesmo com as angustiantes expectativas de ver meus sonhos desmoronados, pela ausência do meu flerte.

Toc! toc! Alguém está chegando, vou colocá-lo onde estava e fingir que procuro um livro qualquer.


Arre! Deu tempo! Mas que tola sou. Não notei que os passos que ouvi vinham das patinhas do Dunga, o cãozinho do meu neto Rodrigo.

Minha Culpa, Minha Culpa, Minha Máxima Culpa - Rejane Martins


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Minha Culpa, Minha Culpa, Minha Máxima Culpa
Rejane Martins

O final do ano aproximava-se e Bel tinha mais uma vez a incumbência de avaliar e separar os objetos da casa que não tinham mais utilidade. Começava sempre pelo sótão, pois se o deixasse por último tinha certeza de que esse trabalho se postergaria para o ano seguinte.

Naquela segunda-feira, acordou cedo e cheia de disposição, nem arrumou a cozinha do café da manhã, subiu com sacos de lixo grandes, para iniciar a triagem, verificar as condições dos das peças e decidir quais se converteriam em donativos. Gostava da sensação de doar objetos impregnados de significados para outra família.

Começou pelo que estava no meio do caminho, assim executaria dois trabalhos concomitantemente, a triagem e a abertura de picadas naquele espaço abafado e sem muita iluminação.

Percebeu que no meio dos tapetes, que outrora enfeitavam a sala, havia algo mal escondido. Para recuperá-lo, pisou sobre caixas depositadas no chão e se segurou em apoios um pouco mais elevado. Quando conseguiu identificar a peça, seu coração congelou. Aquele diário que ela não destruiu no passado, estava alí assombrando-a novamente.      
Quem será que o encontrou? Será que o leu? Como saber se alguém tem o conhecimento daqueles relatos? E se esta pessoa não se identificar, Bel terá esta espada apontada para ela até quando?

Depois de todos esses anos Bel finalmente seria condenada pelos seus atos? Como explicar agora, que foi o resultado de uma atitude impensada daquela adolescente irresponsável? Foi um momento de fraqueza que na hora pareceu até uma boa ideia.

Resoluta, Bel desceu as escadas correndo e se salvando de vários tropeços. Chegou ao quintal tirou todas as tralhas da churrasqueira, despejou um litro inteiro de álcool sobre o livro e ateou fogo. Enquanto se certificava da destruição da prova que a incriminava, rezava para que não fosse tarde demais.  

À noite, durante o jantar Ricardo seu marido, comentou que no final de semana subira ao sótão para pegar uma ferramenta e encontrou o diário da Márcia, uma antiga amiga do casal. Ele deixou à vista para que Bel o devolvesse a sua real proprietária, apesar de não terem mais contato há tantos anos.


Bel confessou que já havia destruído o objeto. Sentiu muita envergonha de si mesma, não por ter destruído, mas por tê-lo roubado no passado, necessitava conhecer os pormenores do então namorado de Márcia e assim conquistá-lo. Afinal pelo Ricardo, valia a pena cometer o crime.

APEGO, NÃO ! CARINHO, SIM ! Do Carmo


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APEGO, NÃO !
CARINHO, SIM !
Do Carmo

 É voz corrente ser próprio dos idosos, o conceito de apego a objetos ou lugares.

Sob meu ponto de vista, julgo muito radical essa afirmação, uma vez que eu, orgulhosamente, sinto-me desapegada  de coisas materiais, mesmo contando com os setenta e oito anos vividos, muito felizes.

Eu tenho, aqui em minha casa, três objetos que guardo com muito carinho, pois eles me foram dados um pelo meu pai e outro por minha mãe.

 Em destaque, logo na entrada social do meu apartamento, este pendurado um relógio cuco, entalhado em madeira com cachos de uvas o qual foi presente de meu pai para minha mãe, quando completaram quinze anos de casados, em mil novecentos e trinta e cinco. Eu ainda não havia nascido. Sempre ele dizia que seria meu um dia.

 Na parede oposta ao relógio, na entrada da sala, tem uma mesinha, com um camelo sobre ela, carregando uma tendinha nas costas, entalhados igualmente em madeira de lei. Mamãe ganhou como lembrança de umas amigas, nossas vizinhas, com as quais eu muito me diverti quando pequena, pois as tardes eu ia a casa delas e entre biscoitos, bolos e refresco, eu ouvia histórias, algumas lidas outras inventadas. A mais velha sempre dizia que essa mesinha com o camelo, seriam meus.


Diante disso, tenho certeza que o amor e carinho que sinto por essas três peças,  não são apegos compulsivos de idoso mas sim, uma lembrança muito querida.

Quem era ela? - Hirtis Lazarin

  Quem era ela? Hirtis Lazarin     A rua já estava quase deserta. Já se ouvia o cri-cri-lar dos grilos. A lua iluminava só um tantin...