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segunda-feira, 27 de março de 2017

Um presente de Deus - Ana Catarina SantAnna Maues

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Um presente de Deus
Ana Catarina SantAnna Maues

 No dia do casamento de Joaquim, Helena sua segunda mãe, relembra emocionada o inicio de tudo.  Escutava seu choro todas as tardes. Isto incomodava-me profundamente mas não sabia como aproximar-me. Sabia que haviam chegado a pouco no andar, éramos vizinhos de porta. Até que um dia não resisti e apertei a campainha deles. Demorou algum tempo para que aqueles grandes olhos verdes viessem espreitar na porta que abriu bem pouquinho. Era um menino de uns quatro anos de idade com grande cabeleira despenteada. Sorri e perguntei por sua mãe, ele respondeu que não estava. Conversando mais, descobri que chorava porque ficava sozinho quando a mãe saia para trabalhar só retornando tarde da noite. Fiquei parada sem pedir pra entrar até que ele resolveu mostrar seus brinquedos, depois a mochila, os livros escolares e  por último a tv ligada no canal de desenhos. Não consegui voltar ao meu apartamento e deixá-lo, certamente iria recomeçar a chorar, tínhamos nos dado bem.

   Por volta de onze da noite sua mãe chegou, tomou um susto comigo ali em sua sala e com a criança já adormecida. Fui logo avisando que era a vizinha do trinta e um e que o menino estava bem. Ela demonstrava tensão, mas com o ritmo da conversa acalmou-se e desmoronou, chorou de soluçar. Contou que era mãe solteira, que trabalhava numa loja no shopping próximo e que não tinha ninguém por ela. Comoveu-me profundamente tudo o que ouvi. Eu também não tinha ninguém por mim, e sem pensar duas vezes ofereci-me pra ficar as tardes com Joaquim. Essa proposta pegou-a de surpresa, porém cheia de alegria segurou-a como tábua de salvação. Foi assim que Joaquim entrou em minha vida. Hoje ele é médico, cobre-me de mimos e cuidados. Sua mãe não viu a formatura, faleceu jovem ainda.

    Um dia eu fui para ele um presente dos céus em sua vida, mas hoje ele é a benção de Deus na minha.


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O Encantamento das Águas
Rejane Martins

Não importa se conhecemos as explicações científicas ou até mesmo a incompreensão que permeia a Sandy Island, o Triângulo das Bermudas, a Atlântida, ou monstros marítimos. A verdade é que esta grande concentração de água, mexe com a imaginação e credulidade dos seres humanos. Parece até que se utiliza do canto de suas sereias para fascinar e hipnotizar, mesmo que ora se apresente cruel, ora plácida.

Os mais antigos relatos nunca negaram o poder deste líquido. As passagens de Moisés e Noé na bíblia relatam como a fúria das águas protegeu os inocentes e castigou os infiéis.

Os mares sempre abrigaram mistérios e desventuras. Na Odisseia escrita em 1.300 a.C., Homero descreve os 17 anos de desventuras vividas por Ulisses pelos mares, à mercê de toda a sorte.

E os vikings que por desbravar de peito aberto os oceanos, foram considerados pela mitologia nórdica os verdadeiros representantes da virilidade masculina.

Já na Idade Média, a supremacia marítima de países conferia-lhes poder e dominação, tamanho era o seu prestigio. As histórias advindas da corte invariavelmente exaltavam os feitos marítimos e seus heroicos protagonistas, agora endeusados pelos pobres mortais.

E quantos romances envoltos em mistérios e magnetismo iniciou-se sobre as águas. Quem não se comoveu com a fortuna de Jack e Rose passageiros do Titanic, o oceano interpretou o principal papel da trama guardando em suas profundezas o amor verdadeiro do casal até ser coroado com o diamante, que sem pudor algum havia roubado a cor mais pura daquelas águas.


Se a Sandy Island existe ou não, não tem a menor importância para a crença popular. Os oceanos continuam exercendo o fetiche, e permeando a imaginação das pessoas, o seu poder e mistério são tão implacáveis, que mesmo sem querer exige o respeito e admiração, ao mesmo tempo que promove o devaneio coletivo.

Recordação indesejável - Ana Catarina SantAnna Maues


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Recordação indesejável
Ana Catarina SantAnna Maues

  Fazia um bom tempo que Isis planejava descer ao porão e fazer uma faxina, pois lá estavam seus livros preferidos. Neste sábado  acordou animada para tal tarefa e descendo as escadas logo que os viu brincou:

— Pronto, queridos cheguei! Entre teias de aranha esperavam com paciência.

  Com carinho ela ia retirando um por um e como que acariciando-os afastava o pó e se derretia de alegria quando as cores de suas capas tornavam a reviver, os dourados mais dourados e assim por diante. Quando aconteceu de passando os olhos para retirar mais um, avistou um caderno  entre eles, o que estranhou muito. Pensou de imediato: “Será que é ele? Estava certa que o  havia destruído!”.   Seu coração veio na boca. Ao tomá-lo da estante confirmou, era sim o seu velho diário, aquele de sua juventude. Ela sabia muito bem o que estava alí, seus maiores segredos,  momentos mais  indignos, feitos que deveriam permanecer longe muito longe da Isis de agora.
 
As máscaras

     Nem em seu pior pesadelo Isis poderia supor que um dia ficaria frente a frente com seu passado sórdido. Encontrar aquele caderno que  serviu-lhe de diário causou grande constrangimento e além, quem teria encontrado e colocado alí  por certo o teria lido. Apenas o pensamento de tal possibilidade,  causava-lhe ânsia de vômito.  Tanto tempo construindo uma nova face um novo costume e agora isto, sentia-se como uma virgem deflorada. Alguém sabia de tudo e deixou propositalmente o caderno entre os pertences que ela considerava  como seu maior tesouro, os livros. Muito atormentada apressou-se em queimar uma por uma daquelas páginas, como se o ato pudesse apagar da história aquele tempo.

   Os dias corriam e ela os vivia de forma penosa. Olhava para o marido e filhos com a impressão de ter perdido a máscara. Sentia-se ameaçada, amedrontada. Avaliava toda e qualquer mudança de humor dos parentes como se tivesse chegado o momento das cartas na mesa,  associava ao que supunha ter sido desmascarada.  Todos estranhavam a aspereza de seu comportamento, e reclamavam cobrando a leveza e doçura de antes.

   Os meses passaram e com eles aquela  sensação terrível de ser punida a qualquer momento. Isis pouco a pouco foi aliviando a tensão e não se sentia mais como  se uma adaga fosse ser fincada em seu peito.


   Os filhos cresceram, teve netos e bisnetos, envelheceu, ficou viúva e nunca soube realmente quem colocara o diário ali.  Desconfiava mas não podia afirmar, pois a pessoa em questão nunca abordou o assunto. Talvez tivesse apenas colocado naquele lugar, como um objeto de valor entre os que sabia ter ela,  carinho especial, os livros, e não tivesse lido. Ela morreu e seus mistérios também.

Um objeto marcante - Ana Catarina SantAnna Maues

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Um objeto marcante
Ana Catarina SantAnna Maues


   Antes d'eu nascer ele já existia. Embalou meus sonhos, pois eu adormecia assim que uma nota e outra eram ouvidas. Razão de esperança durante muito tempo na vida da família. Com carinho as mãos o acariciavam e ele retribuía com os mais belos sons, pura emoção a cada chorinho, samba ou bossa nova. Acompanhou-me em muitas situações ora felizes ora nem tanto. Teve momentos de glória quando em apresentações no teatro era ovacionado enquanto as cortinas fechavam-se. O tempo passou, mas não para ele, conservou o bom estado, cor bem viva e brilho como novo. Hoje se encontra silencioso, de banda. Com as cordas sem afinação, espera por alguém que o valorize, mas triste não vive, está impregnado de boas recordações. Esta é a história do violão de meu pai.

A vizinha misteriosa - Christianne Vieira


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A vizinha misteriosa
Christianne Vieira


Mariluce era uma mulher linda sempre estava bem vestida. Era a sensação do seu quarteirão. Todas as vizinhas, a admiravam, a invejavam e gostariam de ser como ela.

O que ninguém sabia,era a razão de tanto glamour. Atrás da  máscara de altivez e elegância, existiam muitos mistérios.

Ela  vinha desfilando pela rua, parecia flutuar. Usava óculos escuros, e o queixo empinado.

D.Eugenia sua vizinha, atenta ao vê-la passar, correu logo para o parapeito da janela. Perguntou se ela sabia que Lucky, o cachorrinho da Marli,  que desaparecera.

Mariluce correu rapidinho e fechou o portão para não ter que responder  a vizinha. Elas moravam em uma rua bem tranquila, de um bairro calmo, todos se conheciam e cuidavam da vida alheia.

Artur, neto de Dona Eugenia, estava vindo pela rua e presenciou o acontecido. Para ele nada tinha importância, mas diante de tanta arrogância perguntou para a  avó sobre ela.

Sua avó sabia muito pouco. Que ela se mudara há poucos meses, vivia sozinha, saia todos os dias bem cedo, e retornava no meio da tarde. Suas janelas permaneciam sempre fechadas, e ela mal cumprimentava seus vizinhos.

Realmente, ela sabia muito pouco...

Artur, nada satisfeito, perguntou qual o sobrenome?

Montessanto. Pronto, já poderia buscar informações. Após alguns cliques já havia encontrado algumas notícias. Talvez, até a razão  dela ser tão metida.

Na sua pesquisa descobriu que Mariluce havia trabalhado como cuidadora de um rico empresário, e ele havia morrido envenenado. Sua fortuna havia desaparecido, e ela era a principal suspeita do crime, que estava sendo investigado. Segundo a reportagem, estavam a sua procura.

Ao saber da novidade Dona Eugenia não  se surpreendeu, imaginara que aquela vizinha escondia algum mistério. Se ela fosse a culpada, poderia estar correndo perigo ao viver ao lado de uma assassina.

A partir desse dia ela só pensava no crime. Imaginava um velhinho indefeso contorcendo de dor ao morrer.

Decidiu que ficaria de olho nela. Para sua surpresa no dia seguinte, ela viu um carro estacionando e desceram três homens de terno preto. Minutos depois, eles saíram da casa da Mariluce, e ela os acompanhava. Sairam apressados, entraram no carro, e partiram.

Vários dias passaram e nada de Mariluce, nem sinal dela. Depois de dez dias, uma senhora, abriu a sua porta e logo em seguida um caminhão de mudança estacionou. Empacotaram todos seus pertences, e em algumas horas a casa estava desabitada.

Dona Eugenia queria saber o que acontecera? Passado um mês, ela estava assistindo a televisão, e para a sua surpresa Mariluce apareceu, estava presa. Haviam encontrado suas contas, em bancos estrangeiros, e já tinham provas  de que ela tinha praticado o crime.


Mais tarde descobriram que Artur a teria denunciado temendo pela segurança de sua avó.

Meu pequeno amiguinho - Ana Catarina SantAnna Maues

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Meu pequeno amiguinho
Ana Catarina SantAnna Maues


     Vez por outra recebo a visita de Eduardo carinhosamente apelidado por mim de Dudu. Ele mora no andar de cima e sua mãe já explicou que se ele escuta  barulho de porta batendo no meu apartamento quer logo marcar presença e abelhudar por aqui, por isso tenho sempre a mão guloseimas para agradá-lo. Mas já notei que o que ele mais gosta é quando o coloco no colo e, afastando de sua testa o cabelinho suado, sento na cadeira de embalo, próximo a varanda e conto-lhe uma rápida história. Pode ser de herói, fada ou bruxa, de passarinho ou coelhinho, conhecida ou inventada, o certo é que quando resolve ir embora vai com os olhos faiscando de contente, e eu emocionada fecho a porta agradecida por tão preciosa amizade.

O Ingresso de Jaime na Vida Adulta - O mundo de Jaime - Rejane Martins


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O Ingresso de Jaime na Vida Adulta
Rejane Martins

Jaime não suportava mais aquela fase da vida, não era nem criança, nem adulto. Como ser adolescente é chato. Ser cobrado em suas responsabilidades como adulto e no instante seguinte ser julgado como uma criança, e sendo assim não tinha direito à vontades e exigências.

Mas naquela manhã tudo mudou, Jaime foi acordado com o insistente som do interfone, irritado questionava onde estariam todos naquela casa, nem de férias podia aproveitar a cama um pouco mais de manhã.

Injustiça, injustiça, injustiça.

Alô. Bom dia Sr. Robesval. O quê? O senhor tem certeza? Sim, sim sou eu mesmo. Não, não precisa esperar pela minha mãe. Eu já estou descendo. Só um minuto

Bem vejamos, hoje não é meu aniversário, não estou esperando nenhum material do Carlinhos para acabar algum trabalho da escola, pô estamos de férias. Quem será que me enviou uma encomenda? Entrega expressa? Deve ser algo muito importante.

Opa os chinelos, me esqueci. Pronto elevador onde você está? Nãooooo, no décimo oitavo andar. Vai Dona Rosalva libera o elevador, não precisa segurá-lo enquanto conversa com a empregada.


Isso. Valeu Dona Rosalva. Não, parou no décimo andar onde está realizando aquela obra sinistra. Quer saber, vou de escadas mesmo, chego mais rápido.

E aí, Sr. Robesval o que chegou para mim. Uau, é mesmo uma encomenda via sedex 10. Deve ser bem importante o conteúdo. O que será? Meu Deus minhas mãos estão tremendo, é a minha primeira correspondência pessoal.


Por um momento Jaime sentiu-se o protagonista principal do livro “O mundo de Sofia”. Seria legal se o conteúdo fossem enigmas, que questionassem nossa existência ou o mundo em que vivemos. Foi revelador para ele se sentir como personagem de uma trama literária onde o desafio maior é desvendar os mistérios do mundo.


O Mundo de Jaime


Jaime abriu o envelope pardo e encontrou um livro velho, amarelado pelo tempo. Abriu com todo cuidado, ansioso com o conteúdo, tamanha era a ansiedade que nem percebeu suas vistas embaçarem, focar o texto naquele momento era impossível.

 Respirou fundo, se acalmou e novamente abriu com delicadeza o presente, constatou vários termos grafados, alguns em vermelho outros em azul e alguns poucos em verde. Fixou nestes termos e ficou atônito, eram hieróglifos, que piada de mau gosto é esta? Quem será o engraçadinho que está tentando deixá-lo confuso.

Percorreu, em pensamento, todos que poderiam ter feito aquilo com ele. Mas sua investigação mental era sempre interrompida com o desafio de desvendar o enigma do livro. Até que por fim o autor de tudo aquilo não mais importava para Jaime.

Confinado em seu quarto, mergulhou naqueles símbolos. Se irritava todas as vezes que alguém o trazia para a realidade ao chamar seu nome. Não tinha sede, a fome era só a do mistério, o que será que significava tudo aquilo.

Teve um lampejo, será que os símbolos estavam espelhados? Em frente ao grande espelho atrás da porta olhou para a imagem das páginas, eureca!

Ah! Não está escrito em grego antigo? Já sei, só pode ser coisa do Prof. Jarbas. Ele disse que escolheria um aluno para disseminar as ideias filosóficas estudadas naquele ano.

Bom pelo menos agora ficou fácil, é só resgatar aquele dicionário de grego antigo que ele mandou por e-mail, e traduzir o texto, pelo menos era um texto pequeno.

Em pouco tempo, o texto estava todo em português. Tratava-se de uma resenha do Ética a Nicômaco, virtudes que Aristóteles elencou para seu filho Nicômaco.

Emocionado Jaime percebeu que este presente do Prof. Jarbas, era mais que um presente para um aluno. Somente um pai presentearia um filho com as regras de conduta que o conduziriam a felicidade.


O violino - Christianne Vieira


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O violino
Christianne Vieira

Ricardo chegou ao mundo no meio de  uma briga familiar. Nascera em uma família italiana, passional e barulhentaonde o amor e o ódio andam juntos.
Seu avô Milton era o primogênito, e tinha duas irmãs, Wilma e Christina. Para a bisavó, seu avô era o príncipe, contava com todas as regalias e prestígio. Sempre ele era poupado, ou agraciado de alguma forma.

O seu bisavô  Salvador era músico tocava um violino Estradivários. Esse objeto tinha grande valor sentimental para sua família, além de valer  muito dinheiro.
Salvador  tocava muito bem, não só para os seus, mas no cinema mudo de seu irmão. Todos tinham muito respeito e orgulho dele. Quando Ricardo nasceu, seu bisavô estava muito doente, acamado, e seu avô sugeriu que o violino deveria ser dado a ele. Primeiro bisneto menino.

Criou-se uma grande confusão, sua tia avó  Wilma, tinha um filho músico, e ela não gostou nada dessa situação. A outra tia avó, Christina   protegia muito o irmão, e ficou ao seu lado. Pronto confusão instalada.

A bisavó Alice, guardou então o violino, remediando assim a disputa. Muitos anos se passaram, Ricardo cresceu, seu bisavô se foi, e ninguém sabia o paradeiro do Stradivarius.

Seu avô e as irmãs ficaram muitos anos brigados, e até hoje, depois de algumas décadas, ninguém toca nesse assunto.

Todos acreditam que o violino esteja com o Ricardo, mas na verdade esse se tornou um grande mistério. Alguns primos arriscam que ele já fora  vendido, ou que seu avô, muito velhinho, ainda o guarde.

Da sua família, muitos  se foram, os que ficaram, desistiram de brigar por ele. Até mesmo seu primo musico, que  é um critico musical,  se esqueceu dele. O violino significava doces dias, cheios de tumulto, gritaria, e muitas risadas em torno de uma mesa repleta de comidas.

Significava um domingo alegre e ensolarado, de visita aos bisavós. Eles eram a razão, e o verdadeiro significado de uma família.

Sem eles, o Stradivarius, mesmo valioso não tinha  a menor importância.


Nenhum objeto , poderia ser melhor que o colo de seu avô.

Um Amor Real - Rejane Martins


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Um Amor Real
Rejane Martins

Certo dia o corsário John Smith, um verdadeiro súdito do trono inglês, recebeu uma importante missão da própria Rainha. Guardar em um lugar muito seguro e inexpugnável, um verdadeiro tesouro pessoal de Vossa Majestade.

Sem questionar a incumbência, não tinha dúvidas sobre o melhor lugar para cumprir a missão. Um lugar distante das rotas europeias, que ele só o conhecia por comandar as várias expedições inglesas à China.

Na primeira visita àquele país, ele registrara em seu mapa a posição de uma ilha de areia cintilante e num tom tão alvo que feria a vista do marinheiro. Porém nas expedições subsequentes, deduziu que ela havia submergido, uma vez que não encontrara mais aquele banco de areia. Até o dia que ele se assustou ao avistá-la imponente e rodeada por aquelas águas azuis e límpidas.

 Conferiu por diversas vezes os instrumentos de navegação e o mapa que ele próprio havia atualizado. Não havia dúvidas eram as mesmas coordenadas, a ilha era a mesma. Por mais que puxasse da memória não encontrava nenhuma explicação técnica para tal fenômeno.

Temendo ser rotulado de louco pela tripulação, não mencionou o fenômeno. A partir dessa data, todas as vezes que se encontrava no local, primeiramente se sabatinava a respeito de datas, fatos e conhecimentos científicos para atestar sua sanidade. Somente após todo este ritual, anotava em seu diário de navegação a situação encontrada.

Em terra firme, com todas as anotações, estudava naquela região a interferência lunar nos dias. Após exaustivos cálculos e pesquisas conseguiu determinar com bastante precisão a frequência das marés, e com isto os períodos em que a ilha ficava exposta.

Por ser um estudo pessoal e sigiloso, somente ele tinha o conhecimento de quando visitar a ilha e usá-la como esconderijo para as cartas e lembranças de amor entre sua querida rainha e o seu padrasto Thomas Seymor.


Uma floreira especial - Ana Catarina SantAnna Maues




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Uma floreira especial
Ana Catarina SantAnna Maues

     Minha bisa era uma pessoa de postura majestosa. Lembro-me dela balançando na velha cadeira, com ar autoritário, de olhar aguçado e penetrante, que alcançava a alma da gente. Não havia quem a encarasse, nós crianças então, abaixávamos logo a cabeça quando de frente a ela.

     Recordo como se fosse ontem do dia em que após sua morte, reuniram-se para a partilha de seus bens. Fui logo imaginando as inúmeras joias e objetos de valor envolvidos, a monta de dinheiro na certa escondido e agora descoberto. Estávamos ricas, pensei em mim e na minha mãe.


     Hoje sou bisa também e de vez em quando olho para aquela floreira de grossa porcelana, enfeitada com flores baratas, objeto herdado naquele dia frustrante e isto me inspira e reforça o desejo de não proceder como ela. Seu temperamento amargo distanciou netos e bisnetos. Ela deixou sim uma herança, que não foi material, mas um legado, o de não reproduzir sua imagem, copiar seu exemplo e repetir seus hábitos.

A FESTA - Christianne Vieira

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A FESTA
Christianne Vieira

Clara levantou  cedo, estava muito animada, teria um dia cheio de compromissos  e uma festa a noite.

Pensara a semana toda no que vestiria, e desejava ser a mulher mais bonita da noite. No metrô, indo para a faculdade, pensava em seu armário e com a ajuda de uns looks, que vira em uma postagem, combinava suas peças.

Tinha uma grande amiga, Paula. Elas se conheciam desde o primeiro ano da faculdade, e agora, que já estavam quase se formando, eram inseparáveis.

Elas estudavam moda, o que tornava ainda mais difícil se imaginar maravilhosa em uma roupa. Passavam os dias montando figurinos, com  assistentes  na produtora onde trabalhavam.

Conviver em uma ambiente, repleto de celebridades, tinha um alto custo. A exigência era enorme, o tempo corrido, as produções,  feitas da noite para o dia com os prazos curtos demais.

Paula, vendo que Clara havia chegado muito preocupada, se aproximou da amiga, querendo saber o motivo? Clara lhe contou que a festa da revista que iriam a noite, teria muitos famoso, e mulheres lindas, bem vestidas, por mais que ela tentasse, não conseguia montar um look apropriado.

Ela sabia que encontraria Ronaldo, sua paquera  há muitos meses. Queria impressioná-lo, e estar maravilhosa.

Paula se lembrou de um vestido que uma loja nova havia mandado como amostra de sua nova coleção. Era de cor azul marinho, com caimento perfeito, nem justo, nem largo, ficaria lindo em Clara, já que ela tinha olhos azuis, e cabelo loiro cacheado.

Ela o experimentou, e por ser bem magra, ficou perfeito. Faltava um sapato, uma bolsa de mão e uma maquiagem bem feita.

Mas como ela poderia usa-lo?

No inicio, Clara não queria, mas depois, pensou melhor, e imaginou que esse empréstimo, não estaria lesando ninguém, ela era uma pessoa honesta e trabalhava na produtora há três anos. Cansara de ver roupas serem emprestadas.

Foram para casa, se arrumaram e partiram para a festa.

O evento aconteceria em um casarão antigo, com pequenos traços do já modernismo arquitetônico, decorado em estilo anos vinte desde a fachada de pedras com videiras até o cortinado pesado que cobria as imensas janelas. A banda tocava   Louis Armstrong ao vivo no jardim de inverno, e o estilo quase clássico dominava o ambiente.

As celebridades da moda, bafônicas, esbanjando  sensualidade, em vestidos de alta costura.

As amigas maravilhadas, estavam muito felizes, e saboreavam cada flash, cada minuto. Clara procurava por Ronaldo, já havia passado por todas as salas e não o vira.

A noite estava muito quente, e com tantas luzes, parecia ainda mais. Depois de várias tacas de espumante, Clara resolveu dançar, seria uma boa ideia para esquecer seus contratempos. Foi quando viu Ronaldo, ele estava aos beijos com uma ruiva.

Em um minuto tudo desmoronava, e seus sonhos com a noite especial, desapareceram.

Muito decepcionada, resolveu que seria uma ótima desculpa para beber ate não aguentar mais. Paula tentou em vão dissuadi-la, mas foi impossível. Após algumas horas, ela levou Clara para tomar um ar no Jardim, pensou que seria apropriado ela sentir a brisa, encher o pulmão de ar puro. O mundo dela estava do avesso, investira nesse sonho durante meses, pensava que essa noite conseguiria se aproximar dele.

Sentaram então no banco, os olhos de Clara cheios de lagrimas, o coração apertado, fechou os olhos, e adormeceu.


Quando acordou de um sono breve, não se lembrava de nada, a amnésia  era como um balsamo para aliviar a sua dor.

domingo, 26 de março de 2017

Uma Vida em um Quadro - Rejane Martins


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Uma Vida em um Quadro
Rejane Martins

Tornar-me a guardiã dos objetos guardados por tantos anos pela minha mãe foi um privilégio, apesar de que não haver disputa pela incumbência sinto um grande apreço pela designação.

Dentre todos os objetos há uma foto especial. No altar da Igreja Matriz Velha em São Caetano toda a família se reuniu para imortalizar as Bodas de Ouro de meus avós maternos. Imagino o trabalho hercúleo do fotógrafo para enquadrar os filhos, genros, noras, netos e bisnetos em torno daquele casal velhinho e orgulhoso.  

 Sempre que manuseava aquela foto, sentia o poder que ela tinha de congelar, somente em um clique, toda uma história. Ali está retratada uma vida de lutas, vitórias, decepções, angústias e recompensas.

 A aura da imagem é tão intensa que mesmo aqueles que já pertencem ao espaço saudades, continuam transmitindo uma energia vibrante não só daquele momento, mas do seu legado, e por um instante esquecemos o vazio imposto pela sua ausência e sentimos a alegria presente em cada rosto.

Há alguns anos presenteei minha mãe com uma ampliação desta fotografia que era tão cara para ela. O trabalho de ampliação revelou algo ainda mais surpreendente, cada coadjuvante retratado ali tornou-se um protagonista. Ficamos por um longo tempo relembrando de todos personagens e suas esquisitices, no final o saudosismo tomou conta de todos nós. Ainda me lembro das lágrimas que furtivamente teimavam em escorrer dos olhos dela.

Naquele momento percebi o tesouro que aquele objeto representava, não era apenas uma foto que marcava um evento, era toda uma história envolvendo muitas pessoas, e cada uma delas doou um quinhão de responsabilidade para que este objeto se tornasse tão precioso.


O original e a ampliação que revela a grandiosidade e o magnetismo sempre presente naquela grande família, são de tempos em tempos resgatados de seu esconderijo, pois não me permito esquecer a história nem as raízes estabelecidas por aqueles dois jovens anciãos, que se acabaram de se casar novamente.

Amor à Primeira Vista - Rejane Martins


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Amor à Primeira Vista
Rejane Martins

Era o primeiro carnaval de Otávio longe de sua terra natal. Aquele domingo estava mais pasmacento que o normal. O calor era insuportável e a ausência de transeuntes promovia ainda mais a morosidade daquele triste e enfadonho dia que insistentemente não terminava.

Otávio decidiu gastar algumas de suas horas ociosas no jardim de sua senhoria Dona Eulália, que cuidava com muito esmero de seu precioso tesouro vivo, como ela mesma o definia.

Recolheria as folhas caídas, libertaria cada flor de suas pétalas mortas, se ocuparia de qualquer serviço para não sentir aquele vazio na alma.

Estava tão absorto em seu trabalho de jardineiro que quase passou despercebido aquele rosto angelical emoldurado pelas viçosas rosas do jardim.
A visão dos cabelos negros depositados sobre os ombros desnudos era uma obra de arte que não devia nada aos grandes pintores renascentistas.

Se contrapondo ao dia sem cor e brilho de Otávio, aquela moça ostentava dois grandes olhos brilhantes e sagazes, que beirava ao desrespeito pela sua dor devido a solidão.

Pensou duas vezes antes de se aproximar e tentar conhecê-la. O medo foi mais forte e acovardou o interiorano, obrigando-o a recuar.

Agachou-se tentando se esconder e ao mesmo tempo espreitar aquela imagem que preencheu seus pensamentos. Percorreu o jardim, feriu-se várias vezes, até que se sentindo um tanto quanto boboca, decidiu se apresentar e iniciar uma conversa descompromissada.

Aprumou-se, retirou o espinho que alojara-se em seu braço, alinhou a roupa. E só quando em posição ereta olhou para frente, viu aquela deusa se afastar com seu colega de quarto Mateus. A cada passo dado, além de aumentar a distância, provoca um novo e mais forte aperto no coração.

Hoje após tantos anos passados, Otávio ainda não sabe nem o nome dela, não teve coragem de tocar no assunto com Mateus, temia que a realidade o decepcionasse, preferiu alimentar a doce ilusão que o acompanhou por toda a vida. Junto com os netos adolescentes, Otávio faz questão de frisar sempre que eles acreditem em amor à primeira vista, e que ele é testemunha viva desta teoria, afinal ele se apaixonou por uma mulher cuja a perfeição era o seu maior atributo.


O caracol e a borboleta. - Hirtis Lazarin

  O caracol e a borboleta. Hirtis Lazarin   O jardim estava festivo e cheirava a flor. Afinal de contas, já era primavera. O carac...