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quinta-feira, 30 de abril de 2015

A primeira vez - Suzana da Cunha Lima








 A PRIMEIRA VEZ
Suzana da Cunha Lima

Moro numa rua arborizada com ipês amarelos que suspiram à menor brisa,  espalhando seu delicado perfume sem parcimônia.  Voltado para o oeste, nosso bairro tem o mais esplendoroso pôr do sol de São Paulo, que não canso de assistir à minha janela.  Só me falta bater palmas, como o pessoal do Rio de Janeiro faz, assistindo a outro pôr do sol notável, na praia do Arpoador.

 Cheguei do Rio há trinta e cinco anos e  o que me vem sempre à memória, são estas imagens floridas e  os jardins bem cuidados, explodindo em azaleias rubras e brancas. Naquela época, São Paulo pareceu-me um lugar encantador para se morar.

E até hoje, eu tenho a mesma opinião.  Foi aqui que meus filhos passaram sua meninice brincando, jogando bola, andando de bicicleta e festejando São João com fogueiras na rua, numa vizinhança  alegre e acolhedora. Foi aqui que eles se formaram e casaram e nasceram meus primeiros netos.

 Foi aqui que me formei e consegui o primeiro trabalho como profissional, que comecei a lidar com a infância carente e empobrecida, e conheci tantas almas boas que me ajudaram neste espinhoso caminho social. Até hoje, o desrespeito com as crianças me aflige tanto quanto minha impotência para minimizar este imenso problema sempre esquecido nas políticas sociais deste país. 

E foi aqui que  segui meu caminho, como tantas mulheres,   entre casa e trabalho, marido,  filhos, amigos, obrigações e lazer, risos e lágrimas,  alegrias e decepções, como é a vida, este cadinho de sentimentos e vivências que nos tornam tão humanos.

Quando, 16 anos atrás, o falecimento de meu marido, após quarenta anos juntos, me deixou só. De uma hora para outra, vi-me senhora de meu destino, num tipo de liberdade inusitada e até assustadora.  Mas foi também  meu divisor de águas, porque resolvi que ia reconstruir minha vida outra vez, desta vez à minha maneira.

 Além do trabalho, a quem me dediquei muito apaixonadamente,  joguei vôlei pelo Brasil afora, também apaixonadamente. E me aventurei a andar de balão e de tirolesa,  até andar em corredeiras e fazer rapel.  Viajei bastante por este mundão, conheci muitas pessoas interessantes, vivi encontros e desencontros. Enfim,  parodiando Roberto Carlos, se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu senti. E, de certo modo, estas vivências me prepararam para o que veio a seguir.

Pois naquela noite especial, linda e fresca,  tudo  isso me veio a mente, num caleidoscópio fantástico, de imagens, sons, cores e aromas. Enquanto no céu, a lua, curiosa e bela, parecia espreitar o encontro que ia acontecer.

E seria um encontro que mudaria minha vida outra vez, uma guinada para outro futuro que eu mal pressentia,  e estava prestes a acontecer.

O lugar era perto de casa, um restaurante cercado de árvores, sem edifícios que impedissem a visão daquele luar encomendado para esta primeira vez.

Primeira vez de tudo é algo muito especial... Pode ser muito além ou muito aquém de nossas expectativas, mas certamente é algo que nunca se esquece, muitas vezes marca para sempre uma experiência, um desejo, um sonho, a própria existência.

E esta foi a nossa primeira vez, nosso primeiro encontro. Eu o vi, no alto da escadaria, a me esperar, sorrindo, de um jeito que até hoje me encanta.  E este sorriso me abraçou enquanto eu subia e ele descia, até nos encontrarmos exatamente no meio,  como a marcar que, se até então, caminhávamos sozinhos na vida,  dali por diante, estaríamos juntos, qualquer que fosse o caminho.

Isso soubemos imediatamente quando  nossas mãos se uniram e nossos olhos se  fundiram numa única certeza. Nossa busca havia terminado.



A Fada e o Acauã - Jany Patricio


A Fada e o Acauã
Jany Patricio

Maria caminhava lenta. Pés descalços, cabelos desalinhados. Na cabeça, lata d’água vazia. Flor, sua filha, a acompanhava a passos mansos. Seus olhos vivos, cor de mel, seguiam curiosos o voo do Acauã.

A mãe procurava o riacho que passava perto da pedra, onde o pássaro pousara. Uma lágrima saiu do canto do olho, escorregou pela maçã do seu rosto e molhou a terra seca.

Acauã levantou voo e sumiu no céu sem revelar seu canto.

Voltaram para o rancho na boca da noite. Maria entrou, enquanto Flor encostou-se no pé da cerca para admirar o espetáculo do céu, carregado de estrelas.

Quando de repente: Sssssss! Sssssss! – Sorrateira, uma cobra se aproximava.

Va-voom! – Surgiu do céu o Acauã. Pegou o réptil e voou para uma aroeira.

Flor observou o pássaro, que satisfeito lançou um olhar para Luzibel, uma fada de asas verdes e vestido azul que caia do céu, meio desengonçada. 

Trash! Trá! Prá! - derrubou as cuias secas sobre a cabeça da menina.

— Desculpe! O que posso fazer para me redimir?

— Precisamos de água. O rio está seco e minha mãe chora.

— Bom... minhas asas não me obedecem. Já sei! Aquele Acauã vai nos levar até o rio. Vamos! Suba!

Voaram alto e chegaram.

— Agora vou usar minha varinha mágica...Huuum...Acho que a perdi. Não faz mal. Que planta é aquela?

— É um mandacaru. – disse a menina.

— Então vá até lá e arranque um espinho. Vai ser minha nova varinha!
Diante da expressão de receio no rosto da garota, por medo de espetar o dedo, a fada disse:

— Bah! Está bem, está bem! Pegue aquele galho seco mesmo! Quem não tem cão caça com gato! – falou Luzibel, enchendo as bochechas e franzindo a testa, com cara de enfezada.

O rio, achando engraçado o jeito da fadinha, começou a rir. Mas riu, riu tanto que passou a chorar de rir. As lágrimas eram tão grande quantidade, que começaram a inundar o leito e subir, subir até as margens. E mais, fizeram brotar as minas lá no rancho da Maria, que agora ria, ria, ria.

Após deixar a Maria e a Flor felizes, a fadinha despediu-se e voltou para as estrelas levada pelo Acauã, que finalmente liberou seu canto!

— Acauã, Acauã, Acauã...


A Sabedoria contra a Esperteza! - Dinah Ribeiro de Amorim




A  SABEDORIA CONTRA A ESPERTEZA!
Dinah Ribeiro de Amorim

O coelho andava todo prosa, sabendo que, dos animais pequenos, era o mais rápido. Ninguém o vencia, nem mesmo as emas e avestruzes,  conseguiam competir  com ele.

Adorava comer cenouras, muitas cenouras, antes de qualquer partida. Eram o seu ponto fraco ou a sua tentação, levando horas mastigando com prazer.

Uma tartaruga muito idosa, mas de grande sabedoria, espalhou a notícia na floresta que conseguiria vencê-lo.

“Como!  Perguntavam todos, dando gargalhadas - Lenta, velha, pesada, ganhar de um coelho rápido e corredor, é muito difícil.“

A tartaruga, conhecendo o percurso a ser feito, espalha cenouras no trajeto, colocando-as em lugares estratégicos, favoráveis a descanso e sonecas.

No dia da partida, dada a largada, os dois animais saem.

O coelho, muito rápido, encontra a primeira cenoura. Mastiga-a saborosamente e tira um cochilo.

A tartaruga, calma, segue lentamente.

Alcança a primeira parada do coelho, acordando-o rápido e  saindo em disparada à sua frente.

Logo encontra uma segunda cenoura, muito gorda e atraente, parando para degustá-la.

A tartaruga lenta encontra-o novamente, desta vez com mais sono e menos vontade de correr.

Ultrapassa-o sem acordá-lo e, ele, logo desperta, disparando outra vez à sua frente, não entendendo como ela conseguira alcançá-lo.

Uma terceira cenoura, mais atraente que as outras, aparece novamente no caminho do coelho que, antecipando a vitória, detém-se para comê-la. Adormece profundamente, sendo ultrapassado pela tartaruga que, sorridente, chega ao final da corrida.

É aplaudida vitoriosamente, deixando uma interrogação no ar. “Como conseguira tal proeza?”

“Quase sempre a esperteza e a vaidade perdem para a sabedoria e inteligência dos mais velhos”, responde tranquila a tartaruga.


Como Araras Azuis, uma jararaca e o Acauã - Jany Patricio




As Araras azuis, a Jararaca e o Acauã      
Jany Patricio

Um casal de araras azuis sobrevoava o relevo  avermelhado da Chapada dos Guimarães. O olhar esperto dos bichos avistou uma fonte de águas cristalinas atrás  de rochas musgosas. Desceram num mergulho, mas foram surpreendidas com a presença de uma jararaca que repousava sobre as pedras, aquecendo-se ao sol.

Por sorte encontraram o réptil desprevenido que, sendo pego de surpresa, fugiu, indo se esconder.

Um  Acauã observava a cena pousado nos galhos de um buriti.

— Não confiem nesta jararaca, ela pode voltar e dar o bote. – disse ele.

 As aves seguiram o conselho e alçaram voo.


O prevenido morreu de velho, e o desconfiado ainda hoje é vivo.

Quem era ela? - Hirtis Lazarin

  Quem era ela? Hirtis Lazarin     A rua já estava quase deserta. Já se ouvia o cri-cri-lar dos grilos. A lua iluminava só um tantin...